Será que o impeachment de Bolsonaro é viável? Esta é a
questão que Elimar Pinheiro do Nascimento se propõe a responder hoje no Fios
do tempo. A partir de uma perspectiva comparativa, tomando os exemplos
anteriores dos impeachments de Collor e Dilma, Elimar do Nascimento expõe
cuidadosamente as variáveis normalmente necessárias para haja a viabilidade de
um processo de impeachment. Como ele mostra, uma resposta plausível depende de
uma análise das relações da “opinião pública”, das ruas, dos mídias, do
Congresso e do empresariado com o Governo Bolsonaro. Desta forma, tendo um
olhar sociológico com um inteligente distanciamento dos interesses imediatos de
militância, o autor faz uma reflexão lúcida sobre como, apesar de muitos
desejarem o impeachment, tudo indica que ele é, por enquanto, inviável.
A. M.
Fios do Tempo, 14 de maio de 2020
O impeachment é viável?
13 de maio de 2020
Independentemente do julgamento que fizermos sobre o
processo de impeachment já utilizado no País por duas vezes em menos de 30
anos, o assunto veio à ordem do dia quando no domingo 19 de abril o Presidente
esteve presente e apoiou uma manifestação que defendia o fechamento do
Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, em frente ao quartel general
do Exército. O tema foi reforçado, em seguida, quando o Presidente pretendeu
humilhar o, até então, ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, comunicando-lhe
a mudança do chefe da Polícia Federal pelo simples motivo de que a corporação
não estaria lhe prestando as informações sigilosas sobre processos contra os
seus familiares e aliados. Um claro abuso de autoridade e desrespeito às
instituições democráticas. Antes, preparou a mudança certificando-se, em
conversas palacianas, do apoio do Centrão, que conta com cerca de 200 cadeiras
na Câmara dos Deputados. Em troca do quê, ainda não sabemos, mas podemos
imaginar. Os dois primeiros cargos já foram cedidos a esse agrupamento
político: a direção do DNOS e Secretaria Nacional de Mobilidade e
Desenvolvimento Regional do Ministério do Desenvolvimento Regional. Mas, outros
virão.
Em face dessa conjuntura, a pergunta sobre a viabilidade do
impeachment tem cabimento.
Os dois casos anteriores de impeachment no Brasil mostram
que pelo menos cinco condições devem ser preenchidas para que o processo,
traumático, tenha sucesso: 1) estar, o Presidente, com índice de aprovação
inferior a 10%; 2) ter na oposição a maioria da mídia; 3) perder o apoio da
maioria dos grandes empresários; 4) perder a batalha das ruas e, finalmente; 5)
ter a maioria esmagadora dos congressistas na oposição (2/3). Este último
critério, aliás, só é preenchido depois que os anteriores se cumprem. Collor de
Mello caiu depois de ter, nos 12 meses antes de sua queda, 48 das 52 edições
das capas da revista Veja com reportagens de críticas e
denúncias à sua gestão. Dilma precisou fazer um estelionato eleitoral, ter uma
operação extraordinária de combate a corrupção no governo petista, que se
alastrou por mais de dois anos antes de sua queda, e uma recessão econômica
extraordinária no primeiro ano de seu segundo mandato, em 2015, para cair.
Claro que uma crise econômica sempre favorece a perda de apoio popular e
empresarial do Presidente, o que poderá ocorrer no segundo semestre deste ano.
Porém, ainda não se sabe a quem a população culpará pelo recesso econômico.
Vejamos em que medida as condições, aparentemente
indispensáveis a um impeachment, estão preenchidas ou em vias de o serem.
Pesquisa do jornal Folha de São Paulo, de 27 de abril,
mostra que a maior parte dos brasileiros (48%) são desfavoráveis a um processo
de impeachment. Apenas 45% são favoráveis. O mais importante, contudo, é que
nesta mesma pesquisa, 33% aprovaram o governo de Bolsonaro. Aprovação que era
de 30% em dezembro de 2019. A reprovação de seu governo é de apenas 38%. Em
pesquisa mais recente, 7-19 de maio, da CNT/MDA, apoiam o Presidente 32% dos
entrevistados, com queda de 2,5% desde janeiro de 2019. Ou seja, apesar de
todos os feitos Bolsonaro mantém o apoio de 1/3 dos brasileiros. Dilma, às
vésperas do impeachment tinha 7%. Portanto, a condição de perder, de maneira
esmagadora, a luta da opinião pública não está preenchida. Ao contrário, o
Presidente mostra ter um contingente de apoio de grande fidelidade.
Minoritário, mas expressivo e, sobretudo, capaz de lhe levar ao segundo turno,
que ele imagina ser contra o PT, o que lhe daria possibilidades reais de
vencer. Registre-se que reeleição é o projeto prioritário do atual presidente.
Em relação à mídia, Bolsonaro adotou uma postura
inteligente, diferentemente de Dilma e Collor. Primeiro, manteve ativa sua
potente comunicação via internet, além de dezenas de comunicadores que o apoiam,
não se sabe muito bem por quê. Segundo, tem tentado enfraquecer e desacreditar
o canal de TV que lhe é mais crítico, e de maior audiência no País, a TV Globo,
enquanto alimenta outros canais, particularmente a Record, com grupo dirigente
reconhecidamente evangélico e conservador. Seus ataques constantes ao grupo
Globo, que se somam às críticas dos petistas, têm como único objetivo
desclassificar seu noticiário. Dessa forma, ele mantém fiel a si uma parte da
mídia e veicula suficientes informações para alimentar as narrativas em seu
favor, mantendo a opinião pública dividida.
Não há indícios claros, por enquanto, de perda do apoio da
maioria dos grandes empresários. Pelo menos desconheço informações consistentes
neste sentido. E, inteligentemente, Bolsonaro mantém seu ministro da economia,
sua ponte mais segura com o mercado. Além de insistir em um discurso de
retomada do trabalho, contra todas as prescrições dos especialistas, mas que
agrada a maioria dos empresários.
Quanto às ruas, apenas os bolsonaristas a ocupam, com muito
barulho, muitos carros e pouca gente, como as manifestações de 27 de abril e 9
de maio em Brasília. As pessoas que dele discordam, que são maioria no País,
porém não absoluta (43,4% segundo a CNT/MDA), têm receio da pandemia e se manifestam
apenas por panelaços nas janelas, e nas redes sociais. Fazem um pouco de
barulho, mas em locais bem definidos e sem o poder de imagem que tem uma
avenida paulista repleta de gente. Sem dúvida, como afirma Marcus André
(colunista da Folha de São Paulo), a pandemia atrapalha.
Finalmente, com o aceno ao Centrão, Bolsonaro se prepara
para uma eventual, mas improvável batalha congressual sobretudo após o fato de
Lula ter dado ordens para o PT não assinar o pedido de impeachment que
deputados começaram a preparar no início de maio. Não interessa ao PT a saída
de Bolsonaro, pois, com ele, tem mais chances de ir ao segundo turno. De toda
forma, o apoio do Centrão pode ser extremamente útil a Bolsonaro, caso os
processos que correm no STF, inclusive o das denúncias de Moro, progridam de
maneira desfavorável aos seus interesses. Questão que Bolsonaro tratou de
reduzir ao nomear como seu novo ministro da Justiça e Segurança Pública um
amigo do Presidente do STF, o ex-dirigente da AGU e forte candidato ao STF, André
Mendonça, que ele denominou de “terrivelmente evangélico”.
Assim, a permanência de Bolsonaro, por enquanto, está
assegurada. Em política as conjunturas mudam com rapidez, contudo, a
probabilidade ainda é pequena e, no momento, inexistente.
Elimar Pinheiro do Nascimento é sociólogo, com doutorado pela Université de Paris V (Rene Descartes, 1982), e pós-doutorado na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales. Professor associado dos Programas de Pós-Graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UNB) e do Programa Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
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