O vídeo da reunião ministerial de 22 de abril consiste numa
farândola de bajuladores, entre ressentidos e vitimizados, que disputam o posto
daquele cujo extremismo melhor demonstraria fidelidade incondicional ao
presidente; isto enquanto, na costura de quatro momentos, Jair Bolsonaro deixa
clara a intenção de interferir na PF para proteger os seus, familiares e
amigos, de investigações.
De proposta concreta, ao longo daquelas duas horas em que um
governo de autocratas se exibiu, houve somente a de Ricardo Salles, ministro do
Meio Ambiente. Não para combate à Covid-19, mas para uso da janela de
oportunidades escancarada pela gravidade da doença: aproveitar que as atenções
da sociedade estariam voltadas ao enfrentamento da peste e fazer passar a
boiada. A boiada: demissão de fiscais, anistia a desmatadores etc.
Não deveria haver surpresa ante a inexistência de debate
sobre políticas públicas num encontro do conselho de ministros de Bolsonaro.
Este governo é narrativo, de modo que, reunidos os seus principais agentes, só
se poderia esperar um desfile de versões e jactâncias, em que prevalecem
aflições não com o impacto do vírus sobre o povo, mas com o impacto do que
seria a exploração do vírus pelos adversários sobre a percepção da sociedade.
Estão lá os homens virtuosos, que são diferentes (talvez do
centrão que o chefe coopta) e que se sacrificam pelo mito — que se sacrificou
por nós. Abraham Weintraub, em seu esforço — sem agenda própria — por
evidenciar as bordoadas e os processos que toma, reconhece estar ainda aquém do
presidente: “Fez mais do que eu. Levou uma facada.”
O ministro da Educação — pela prisão dos “vagabundos” do STF
— seria o vencedor do troféu Bolsonarinho não houvesse a concorrência do
presidente da Caixa, Pedro Guimarães, desesperado para ser ministro,
responsável pelo Bolsa Jair, “o maior programa da história da humanidade”,
cujas bravatas nos informam também que dispõe de 15 armas e de goela para litro
de cloroquina. Guimarães, guloso, armado e perigoso, pronto para matar e morrer
na guerrilha contra a tirania de Doria e Witzel, está na vanguarda da
resistência bolsonarista pela liberdade das hemorroidas — e talvez tenha sido
mesmo a inspiração do presidente para aquela pregação armamentista miliciana.
Fica expressa a preocupação de Bolsonaro não com o direito
de o cidadão ter e poder portar armas, mas em munir a população para combater
medidas restritivas temporárias de governantes eleitos.
Armamento para subsidiar a desobediência civil. Não para proteger garantias
individuais. Uma compreensão deturpada do que seja liberdade.
E não me venha liberal bolsonarista — este oximoro — com o
papo de que a fala do presidente estaria escudada no espírito da segunda emenda
da Constituição dos EUA. Conheço o texto. O que Bolsonaro disse, no entanto,
nada tem com o que seria defesa de um Estado livre contra a opressão; sendo um
estímulo explícito à ação contra decretos de governadores e prefeitos —
decretos destinados a tolher a sanha de um vírus assassino e submetidos a
controle de constitucionalidade.
Esse conjunto assombroso de campanhas, algumas mesmo
criminosas, em uma reunião ministerial eclipsou a mais aberta batalha — sobre o
futuro do programa econômico de Paulo Guedes — travada ali. As ideias do
ministro da Economia vão questionadas dentro do governo. A agenda reformista
liberal está em xeque. A pressão desenvolvimentista cresce, impulsionada pela
demanda social por que o Estado induza a economia. O vento virou. “Não existem
verdades absolutas” —diz Rogerio Marinho, o desafiante. É uma guerra pela mente
de Bolsonaro; que está tentado, Dilma Rousseff em matéria econômica que é.
A alternativa tentadora, que o vídeo mostra ser encarnada
também por Braga Netto e Tarcísio de Freitas, pode ser resumida nesta fala do
ministro do Desenvolvimento Regional — que trabalha por ter um Minha Casa Minha
Vida para chamar de seu:
“Se vamos gastar R$ 600 bilhões para resolver uma situação
que é emergencial e todos reconhecemos que é necessária, e darmos segurança à
população, no caso alimentar, para evitarmos o caos, para diminuirmos a
mortalidade das empresas, muito bem. Tá correto. Essa é a boa direção. Por que
não 5%, 6%, 7% desse total, 10% desse total, em obras de infraestrutura? Por
que não termos a capacidade de alavancarmos emprego num momento em que a
retomada, todos os economistas aqui reconhecem, vai ser muito lenta?”
Guedes não reconhece.
A propósito: aquela reunião fora convocada, por Braga Netto,
para tratar do tal — ainda obscuro — Pró-Brasil, um PAC com estofo militar.
Mais tarde naquele dia, sem a presença do ministro da Economia ou de qualquer
representante da pasta, o programa seria apresentado.
Ainda na reunião ministerial, mencionada a possibilidade de
privatizar o Banco do Brasil, o presidente pediu que se deixasse aquilo para
2023; mas ele não pensa em eleição.
É uma guerra pela mente de Bolsonaro; o de cabeça já feita.
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