Simon Schwartzman, O GLOBO
Do deprimente vídeo da reunião de governo de Bolsonaro,
quase todos os comentários se concentraram nos palavrões, nos insultos e sobre
se ele disse ou não se pretendia intervir na polícia federal. Mas o que mais me
chamou a atenção foi a parte em que ele fala da facilidade com que se poderia
implantar uma ditadura no Brasil, e da necessidade de armar a população para
resistir e se defender. Pedro Dória, do Meio,
e Demétrio Magnoli, na GloboNews, também deram destaque a isto, sendo que Doria
interpreta como sendo uma manifestação de liberalismo extremo como o que grassa
em alguns setores nos Estados Unidos, a busca da volta a uma sociedade que
teria existido no século 18, de um Estado diminuto e uma população organizada
em milícias e armada para se defender. Mas me parece que a inspiração não é
esta, e sim do fascismo, objeto de um livro recente de Antonio Scurati sobre
Mussolini que resenhei em um artigo de alguns meses
atrás.
Que risco é este de ditadura que Bolsonaro tanto teme? Não é
justamente ele e seu grupo mais próximo que ficam o tempo todo ameaçando fechar
o Congresso e o Judiciário? Mas ele mesmo dá exemplos do que pensa:
o risco da ditadura viria dos governadores e prefeitos que mandam as pessoas
ficarem em casa para controlar a epidemia , da pessoa que impede que seu irmão
entre em um açougue sem máscara, das instituições que tentam investigar seus
filhos, do Supremo Federal que impede que ele nomeie seu amigo para polícia
federal, do Congresso que não aprova suas medidas provisórias. Ele ataca o
governador do Rio de Janeiro porque acha que ele está conspirando para
incriminar sua família, mas não diz uma palavra sobre a violência policial que
o governador estimula, que mata milhares de pessoas, nem sobre as milícias que
exploram e também matam a população em sua cidade.
O que Bolsonaro tem na cabeça não é um Estado mínimo e uma
população armada para se defender, mas um Estado máximo, sem limites,
controlado por um ditador acima das leis e apoiado por milícias armadas
dedicadas a manter a oposição acuada e liquidar todas as outras formas de
autoridade pública (o “casamento” com o liberalismo de Paulo Guedes é de mera
conveniência, como foi o casamento com Sérgio Moro). Mussolini
conseguiu isso na Itália, com um discurso violento contra as instituições e a
mobilização de pequenos grupos de ex-militares e marginais, os Fasci
Italiani di Combattimento. Explorando a crise econômica e social depois da
Primeira Guerra, os fascistas foram aos poucos ganhando adeptos e culminaram na
famosa marcha sobre Roma de 1922, que forçou o governo a nomeá-lo como Primeiro
Ministro, posição a partir da qual, metodicamente, foi destruindo o Estado de
direito e implantando sua ditadura pessoal, até a aventura da Segunda Guerra
Mundial.
Como mostra Scurati, as milícias fascistas que chegaram a
Roma eram um bando caótico e desorganizado que poderia ter sido facilmente
detido pelo exército, que no entanto ficou confuso e acuado e não saiu em defesa
do Estado de direito. O poder crescente de Mussolini não se devia somente à
oratória e à força amedrontadora das milícias, mas, por trás, a negociações
secretas e troca de favores com grupos políticos e econômicos que denunciava em
público, e um processo regular de liquidação dos aliados que ousavam voo
próprio.
Não sei se este modelo está sendo seguido deliberadamente, mas é difícil que a semelhança seja mera coincidência.
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