Na guerra, a primeira vítima é a verdade, diz a máxima. Na
pandemia, é igual. Populistas aproveitam a crise para atacar a imprensa,
mascarar ações medíocres e fortalecer seu poder. Donald Trump é o principal
exemplo. Ele fez da desinformação seu principal instrumento de comunicação, como
na bravata recente de que toma cloroquina preventivamente contra a Covid-19.
Sua estratégia, por outro lado, levou paradoxalmente ao fortalecimento dos
veículos tradicionais, ancorados na credibilidade e no aumento do número de
assinantes. A gênese dessa disputa entre realidade e embuste é descrita no
excelente Merchants of Truth, da ex-editora-executiva do New York Times Jill
Abramson. O livro narra a ascensão da nova comunicação digital, que agora está
em xeque. Em 2020, essa transformação praticamente se encerrou com a volta à
saúde financeira do New York Times, o principal jornal americano, que contratou
uma das principais estrelas da nova mídia: Ben Smith, ex-editor do BuzzFeed
News. Sua incorporação marca o triunfo, pelo menos momentâneo, da velha
imprensa, ainda que marcas centenárias e vitais tenham ficado pelo caminho.
A crise provocou um efeito positivo, ainda que não
consolidado, de escrutínio da verdade. A população está mais atenta para os
boatos inconsequentes sobre a doença, que podem custar a vida das pessoas. Há
mais consciência sobre a necessidade de checar a fonte das notícias e detectar
fraudes. Pela primeira vez, gigantes de tecnologia, como Facebook e Twitter,
estão controlando a propagação de fake news. A rede de Mark Zuckerberg nunca se
preocupou com a interferência política dissimulada e venenosa, que ajudou a
levar o próprio Trump ao poder. Mas agora vê a necessidade de se posicionar ao
lado da saúde.
A resistência da imprensa ainda está sendo posta à prova. Na Hungria, Viktor Orbán fez passar uma lei que prevê a prisão de jornalistas. Bolsonaro estimula suas falanges a atacarem os jornalistas, como nos lamentáveis episódios recentes de Brasília. Trump até agora se safou, mas o coronavírus começa a agir. É difícil enganar com os números assustadores de mortes e os indicadores da economia em queda livre. Algo semelhante deve acontecer no Brasil. Dentro da selva digital, a verdade é um ativo em alta. Os ditadores enrustidos estão em baixa. A imprensa ainda ocupa um papel crucial na construção e defesa da democracia. É isso o que mais incomoda populistas como Trump e Bolsonaro.
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