E daí que o sujeito que eu queria na direção da Polícia
Federal é amigo do meu filho? Posso interferir, sim, na PF. Quero interferir
sim. Pedi, quase supliquei relatos diários da polícia e o Moro não deixou.
Quero uma pessoa do meu contato pessoal, com a qual possa colher informações,
relatórios de inteligência. A lei não deixa, e daí? Jair Bolsonaro, que sempre
fez pouco caso da jurisprudência constitucional brasileira e que banaliza a
prática de crimes de responsabilidade como quem vai até a esquina comprar pão,
confunde gestão pública com negócio de família. Pensa que a polícia judiciária
é uma espécie de guarda presidencial que lhe deve prestar vassalagem. Não
apenas interferiu — e nem precisa buscar mais provas disso — como também se
orgulha de dizer de própria voz que o fez. Em um pronunciamento estrábico,
desconectado da lógica e da realidade, admitiu dias atrás não ver nada de
errado em seus pedidos à PF. Usou efetivamente os serviços da corporação como
uma espécie de milícia particular, mandando apurar assunto, sem a menor
relevância, da família da namorada do filho 04 — aquele que saiu com meio
condomínio. Não entende — ou nem quer saber — da autonomia legal da
instituição. Vieram provas de que pediu a cabeça do titular do órgão porque ele
estava na cola de deputados bolsonaristas — para o mandatário, uma petulância
do profissional que deu assim mais um motivo para sair —, e ele recorreu de
novo ao questionamento, como contraponto à insinuação de tentativa de meter a
cunha indevidamente: é interferência política sim, e daí? Disse diretamente a
Moro. Bolsonaro, que adora um confronto e exibições de valentia tresloucada,
parece encantado com o vocábulo provocativo “e daí?”, e o repete a torto e à
direita, como sacada para momentos distintos. Aqui no Brasil é o capitão
caudilho no comando. Não gostou. E daí? Vai peitar? Cuidado. O bravateiro de um
milhão de mentiras é capaz de tudo. Até de falsidade ideológica, como acabou
praticando ao usar, calculadamente, e sem autorização, a assinatura eletrônica
do ex-ministro Moro no comunicado do Diário Oficial que tratava do desligamento
do subordinado da PF. Prática fraudulenta? E daí?
Confrontado com os números dramáticos de vítimas fatais da
pandemia, que não param de subir, voltou a reagir da maneira mais bestial que
um ser humano poderia em ocasiões como essas. No dia em que a taxa de mortalidade
atingiu o estrondoso ritmo de quase 500 mortos em 24 horas — o equivalente a
queda de dois boeings simultaneamente —, extrapolou no descaso. “E daí?
Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagres”, disse
entre risadas da claque dos cegos seguidores. As palavras foram essas mesmas,
por mais abomináveis que elas possam parecer. Jair Messias Bolsonaro deu o tom
das preocupações que reserva para com a população sob o seu comando. Você
entregaria o destino de um único familiar seu nas mãos de um sujeito como esse?
Reflita. Pense nos milhares de familiares que estão agora órfãos de seus entes
queridos e imagine um País como o nosso dirigido pelas mãos desse
inconsequente. Tempos atrás fez uma “live” onde garantia que as mortes totais
por Covid-19 não passariam de 800 em todo ano. Em menos de dois dias a taxa foi
rompida. Eis a habilidade de quem não sabe nem o que dizer. Bolsonaro é incapaz
de governar e de oferecer alento e respostas efetivas de ajuda, anarquiza a
cena política, deixa-se fotografar aos sorrisos praticando tiro ao alvo,
enquanto brasileiros tombam nos hospitais às centenas e milhares. “E daí?”, é
isso mesmo presidente? O chefe da Nação, que desde sempre fez pouco caso da
pandemia, que a tratava como uma mera “gripezinha”; que desdenhou das vítimas,
alegando “fazer parte”; que brincou de manifestações e incitou carreatas
insanas pelas ruas do País enquanto encenava visitas públicas politiqueiras a
padarias e farmácias, querendo estimular a quebra do isolamento, só sabe dizer
“e daí? Fazer o que?”.
Não é mais mero caso de impeachment para uma figura desse
calibre. O justo mesmo seria um julgamento como genocida no Tribunal
Internacional Penal, em Haia, por crimes contra a humanidade, para ser
trancafiado atrás das grades. A ONU acaba de fazer denúncias formais nesse
sentido, acusando o governo do presidente de colocar em risco milhares de vida,
por meio do que os seus relatores chamam de “políticas irresponsáveis”. E são
mesmo. Um chefe de Estado que se propõe a minimizar o drama em torno da
catástrofe, que não faz um único gesto de reação prática, ou mesmo de
solidariedade; que estimula o contágio realizando movimentações públicas e
discursos de incentivo ao rompimento da quarentena, deveria ser enquadrado na
condição de criminoso sem direito à fiança. Surpresa alguma para quem teve o
cuidado de acompanhar a trajetória e os devaneios de quase três décadas de
política baixo clero do capitão. O homem que saúda a ditadura, classifica
torturadores de heróis e prega a montagem de uma guerra civil para matar por
aqui “uns 30 mil” pobres; que é, além de tudo, a favor de fuzilamentos e ameaça
mulheres de estupro, não poderia reagir diferente. Bolsonaro encarna aquela
figura para quem a lógica da máquina pública deve servir ao seu interesse e uso
pessoal. Defende os privilégios de servidores, por ser um deles, com unhas e
dentes, e, quando era parlamentar, embolsava o auxílio-moradia mesmo contando
com apartamento próprio na Capital Federal. Dedica-se agora a acordos com o
Centrão para angariar apoio a sua permanência no poder, enquanto entrega verbas
e cargos comprando a base de sustentação. É abjeto nas escolhas.
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