O jornalista
Gilberto Dimenstein morreu nesta sexta-feira (29), aos 63 anos, vítima
de um câncer de pâncreas, com metástase no fígado. Dimenstein morreu por volta
das 9h, em casa, dormindo.
Criador do site Catraca Livre, Dimenstein foi jornalista
premiado e escreveu na Folha por 28 anos, de 1985 a 2013 —foi
diretor da sucursal em Brasília, correspondente em Nova York, colunista e membro
do conselho editorial de 1992 a 2013.
Também passou pela CBN, Jornal do Brasil, O Globo, Correio
Braziliense, Última Hora, Veja e Revista Visão antes de se dedicar ao
jornalismo de causas sociais.
Durante o tratamento
contra o câncer Dimenstein definiu a clareza maior da morte como
"uma dádiva". "Não é o fim, mas um começo", disse em relato
à Folha sobre o diagnóstico da doença, recebido no ano
passado.
O texto com a visão otimista sobre a doença e a nova forma
de viver a vida viralizou. Dimenstein desceu do trem de alta velocidade de onde
via uma linda paisagem borrada para escutar bem-te-vis e curtir o neto.
Em dezembro, o jornalista disse estar vivendo o momento mais
feliz de sua vida. "Câncer é algo que não desejo para ninguém, mas desejo
para todos a profundidade que você ganha ao se deparar com o limite da
vida."
O jornalista nasceu em São Paulo, em 28 de agosto de 1956.
Filho de um pernambucano e de uma paraense, tem família judaica. Formou-se em
jornalismo na Faculdade Cásper Líbero.
Dimenstein foi acadêmico visitante do programa de Direitos
Humanos da Universidade de Columbia (EUA), entre 1995 e 1998, e fez parte de
incubadora de projetos de Harvard (EUA), entre 2011 e 2013.
Ao fazer um balanço de sua vida, Dimenstein avaliou ter
feito o bem por praticar um jornalismo de empoderamento. Ele dedicou a carreira
a buscar, promover, fomentar, levantar recursos e dar visibilidade a projetos
de inovação e de inclusão.
O Catraca Livre, que seleciona atrações culturais desde
2009, tornou-se vitrine para soluções na área de mobilidade, lazer, educação,
saúde e empreendedorismo. "Queremos ajudar as cidades a serem mais
educadas, acolhedoras e criativas", afirma o portal ao apresentar-se.
O site foi eleito o melhor blog de cidadania em língua
portuguesa pela Deutsche Welle em 2012 e apontado pela Universidade de Oxford,
BBC e Financial Times como uma das mais importantes inovações digitais de
impacto social no mundo em 2013.
O Catraca Livre também venceu o Prêmio de Veículos de
Comunicação (2017), Prêmio Jovem Brasileiro (2015 e 2016), E-award (2014) e
Digitalks (2015).
Dimenstein também se dedicou a projetos educacionais. Criou
o programa bairro-escola, desenvolvido por meio do Projeto Aprendiz e replicado
pelo mundo com ajuda da Unicef e Unesco. O projeto de formação profissional foi
considerado referência mundial e "um exemplo de inovação comunitária"
pela Escola de Negócios de Harvard.
Dimenstein era presidente do conselho da Orquestra Sinfônica
de Heliópolis, em São Paulo, e membro do conselho consultivo do Museu do
Amanhã, no Rio.
Sobre o projeto em Heliópolis, que educa 1.300 crianças e
jovens na maior favela de São Paulo, Dimenstein escreveu recentemente: "A
música que ajuda a combater meu câncer é tocada pela Orquestra Sinfônica
Heliópolis. Não só pela sua excelência, mas especialmente porque sou voluntário
do projeto. E vejo o milagre da educação —o que me faz mais conectado à
vida".
O jornalista foi ainda um dos criadores da Agência de
Notícias dos Direitos da Infância (Andi). O envolvimento com o tema veio a
partir do livro "Meninas da Noite – A Prostituição de Meninas Escravas no
Brasil", escrito entre 1991 e 1992, quando Dimenstein recebeu uma bolsa de
estudos da MacArthur Foundation para apurar sobre prostituição de crianças na
Amazônia.
Em suas colunas, na Folha, defendeu o uso do
transporte público, divulgou iniciativas sociais e deu opiniões controversas,
como penas alternativas à cadeia para quem infratores que não oferecem risco à
vida.
Nos últimos meses, vinha dedicando suas postagens em redes
sociais a críticas ao governo Jair Bolsonaro e à defesa da democracia.
Antes de rumar ao jornalismo independente e comunitário, em
sua última coluna no jornal, em dezembro de 2013, Dimenstein afirmou que
deixava a Folha, paradoxalmente, por causa da "liberdade de
experimentação" propiciada pelo veículo.
"Mas a Folha (e aqui personalizo na
figura de Otavio Frias Filho) sempre me estimulou a ousar, trocando o seguro
pelo incerto, cultivando meu vício irrecuperável pela adrenalina do
inusitado", escreveu.
Na carreira de jornalista, Dimenstein recebeu diversos
prêmios, inclusive o Prêmio Esso de 1988, na categoria principal, com a
reportagem "A lista da fisiologia", que escreveu na Folha,
sobre políticos intermediários de repasses para programas sociais, em esquema
de tráfico de influência entre Executivo e Legislativo.
No ano seguinte, venceu o Prêmio Esso, na categoria
Informação Política, com a reportagem "O grande golpe".
Seu livro "O Cidadão de Papel", sobre diretos da
criança, venceu o Prêmio Jabuti na categoria de melhor livro de não-ficção em
1993.
O jornalista colecionou ainda Prêmios Líbero Badaró de
Imprensa, um Prêmio Comunique-se, na categoria Jornalista de Cultura – Mídia
Livre (2012), um Prêmio Nacional de Direitos Humanos junto com D. Paulo de
Evaristo Arns (1995), um Prêmio Criança e Paz, da Unicef (1993), e Menção
Honrosa do Prêmio Maria Moors Cabot, da Faculdade de Jornalismo de Columbia, em
Nova York (1990).
Também se destacou na Folha com série de
reportagens, de 1987, para mostrar que o então presidente José Sarney liberou
recursos para as bases eleitorais de deputados dispostos a apoiar o mandato de
cinco anos. Em 1999, revelou que a Fundação Visconde de Cabo Frio, ligada ao
Ministério das Relações Exteriores, pagava funcionários em dólar, com depósitos
em Londres.
Dimenstein é autor de diversos livros, como "A
República dos Padrinhos: Chantagem e Corrupção em Brasília" (1988);
"As armadilhas do poder – Bastidores da imprensa" (1990); "A
Guerra dos Meninos – Assassinatos de Menores no Brasil" (1995); "A
Democracia em Pedaços" (1996); "O Aprendiz do Futuro" (1997);
"O Mistério das Bolas de Gude" (2006); "Fomos Maus Alunos"
(2009) e "Mundo de REP" (2002).
É coautor de "A Aventura da Reportagem" (1990), com Ricardo Kotscho; "A História Real – Trama de uma Sucessão" (1994), com Josias de Souza; "O Brasil na Ponta da Língua" (2002), com Pasquale Cipro Neto; "Prazer em Conhecer" (2008), com Miguel Nicolelis e Drauzio Varella; "É Rindo que se Aprende" (2011), com Marcelo Tas, entre outros.
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