Não é de hoje que, diante de uma ameaça, o ser humano nega a
realidade. Aconteceu em outras epidemias, como a varíola e a gripe espanhola.
Mais recentemente, vieram os negacionistas climáticos e os terraplanistas que,
involuntariamente cômicos, se dividem entre os que acreditam na Terra plana com
cúpula e na sem cúpula, em um negacionismo do negacionismo.
Com o novo coronavírus, surgiu um grupo ainda mais perigoso,
pois brinca de roleta russa com a arma apontada para a cabeça dos outros —os negacionistas
da pandemia.
Diferente de um Napoleão de Hospício, que fala sozinho, esse
tipo se reúne com outros malucos em grupos de WhatsApp e Facebook. Sua
principal fonte de informação são os próprios integrantes e suas experiências
pessoais.
Como estão em constante negação, discutir com eles se torna
uma tarefa impossível. Contestam fontes, instituições e, até mesmo, a
comunidade científica. Para os negacionistas da pandemia, estão todos vendidos
para a indústria farmacêutica ou têm planos secretos de domínio do planeta.
“O coronavírus foi criado pelo Bill Gates para vender sua
vacina e implantar um chip para monitorar a população”, especula Rubens,
comerciante e infectologista por hobby. Como se o fundador da Microsoft, mesmo
estudando em Harvard, fosse capaz de criar um plano do nível de um vilão da
“Sessão da Tarde”. E como se ele já não pudesse monitorar a população.
“O amigo do marido da minha prima é médico e disse que o
hospital Albert Einstein está vazio. Quando vão parar de nos enganar?”,
questiona a dona de casa Regina, sanitarista nas horas vagas. É mais fácil
debater capacidade de leitos com a mãe do Jorginho do que telefonar para o
hospital.
“A China espalhou o vírus para acabar com a economia de
outros países e arruinar o capitalismo no mundo”, posta Caio, publicitário que
se especializou em geopolítica pelo Instagram. Sim, a China, a mesma fabricante
de carros, computadores e do celular que Caio usa para postar asneira, quer
acabar com o capitalismo.
“Só fracos, doentes e idosos devem se preocupar”, diz Jair,
ex-capitão expulso do Exército, ex-deputado irrelevante e atual presidente da
República. Em plena pandemia, ele acredita que as maiores ameaças são os
governadores e o STF. Essa roleta russa de Bolsonaro já matou quase 30 mil
pessoas.
Flávia Boggio
Roteirista e autora do núcleo de humor da Globo
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