Passei o sábado esperando o pronunciamento em cadeia
nacional de rádio e TV. Anunciado pelo próprio presidente da República na
sexta-feira, o comunicado oficial poderia indicar os novos rumos da estratégia
do governo no combate à covid-19 depois da segunda troca de ministro da Saúde
em menos de um mês. Perdi o meu tempo.
Perder tempo, aliás, tem sido a tônica dos governos no
Brasil quando se trata do enfrentamento da pandemia. A Organização Mundial da
Saúde alertou sobre a detecção de casos de pneumonia provocados por um novo
tipo de coronavírus em Wuhan, na China, em 10 de janeiro. Somente doze dias
depois o Ministério da Saúde brasileiro se manifestou oficialmente, por meio de
uma nota à imprensa declarando que estava acompanhando o assunto junto à OMS.
Após a publicação da Lei nº 13.979, de 06/02, que declarava
emergência de saúde pública em todo o país, o governo federal só começou a se
mexer em 11/03. Por meio da Portaria nº 356, o Ministro da Saúde orientava as
secretarias estaduais e municipais sobre como proceder em relação ao isolamento
de casos suspeitos e a decretação de quarentenas. Àquela altura, já haviam sido
confirmados 52 casos no Brasil.
A partir da confirmação da primeira morte em território
nacional, em 16/03, o que se viu foi uma proliferação de medidas descoordenadas
sendo tomadas em âmbito municipal, estadual e federal com o propósito de
“achatar a curva” de contágio. Nesta data Bolsonaro criou um comitê de crise
para supervisionar e monitorar os impactos da covid-19 – apenas com seus
ministros, sem nenhum representante dos governos regionais ou locais.
Para se ter ideia do tempo perdido no início da pandemia,
foi só em 27/03 que uma portaria da Anvisa restringiu a entrada de estrangeiros
no país. Naquele momento, já havia 597.457 casos confirmados no mundo.
Enquanto isso, governadores e prefeitos passaram a decretar
quarentenas e medidas de distanciamento social. Ganhar tempo passou a ser a
principal estratégia adotada em todo o país – para não dizer a única. Dois
meses e mais de 16 mil óbitos depois, o país está dividido entre a vontade do
presidente de decretar o fim do isolamento para reativar a economia e a cautela
de governadores e prefeitos que temem o colapso do sistema de saúde. Nenhum dos
lados, porém, dispõe de um plano sobre o que fazer depois.
Bolsonaro fritou dois ministros da Saúde em um mês devido à
sua obsessão com a reativação da economia. O presidente minimiza os riscos
sobre a saúde e despreza a dor de parentes e familiares de milhares de mortos
acreditando no poder de uma droga sem comprovação científica. Por outro lado,
esquece que só haverá recuperação econômica significativa quando consumidores e
investidores não só do Brasil, mas de todo o mundo, se sentirem confiantes de
retomar a sua vida e seus negócios com segurança de não serem infectados.
Governadores e prefeitos acusam Bolsonaro de agir contra as
recomendações científicas, mas afora a insistência na importância do
distanciamento social, decisões são tomadas em nível estadual ou municipal sem
qualquer suporte em dados ou evidência empíricas.
Não há protocolos ou mesmo uma sinalização clara para a
população sobre o que pode e o que não pode em relação à circulação em espaços
públicos e ao uso de máscaras, por exemplo. Não se reformulou o sistema de
transporte público para diminuir a concentração de pessoas nos horários de pico
do trajeto entre casa e trabalho. Rodízios de automóveis são impostos sem
prever seus efeitos sobre o deslocamento de quem não pode ficar em casa.
Enquanto Bolsonaro, governadores e prefeitos se digladiam
sobre o fim ou a continuidade da quarentena, o Brasil continua sendo um dos
países mais atrasados na aplicação de testes à sua população. Também não
conseguimos rastrear o círculo de contatos dos contaminados a fim de isolá-los
preventivamente para conter o ritmo de propagação da doença. Sem conseguir
identificar quem já está imune e quem não foi infectado, continuamos num voo
cego que inviabiliza um possível plano de isolamento vertical.
Em meio à guerra de narrativas sobre o que mata mais, se a
fome ou o coronavírus, ainda não temos estratégia de identificação de quais
regiões ou setores poderiam retomar gradualmente as atividades normais.
Tampouco foi sugerido um plano com possibilidade de utilização de hotéis ou
imóveis ociosos para abrigar idosos e outros integrantes de grupo de risco caso
seus familiares tenham contraído o coronavírus. Também não sabemos o que fazer
caso a situação saia do controle e o sistema hospitalar não aguente o aumento
de demanda. Entre o #fiqueemcasa e os que aplaudem o presidente e seus
ministros participando de aglomerações, continuamos sem adotar práticas
tentadas pelos principais países do mundo.
Bolsonaro elogia a Suécia por não ter determinado o
encerramento obrigatório de atividades econômicas, mas dados de movimentação de
pessoas medidos pelo Google revelam que na capital do país, Estocolmo, houve
uma redução de 23% nos deslocamentos a centros de comércio e lazer e uma queda
de 29% do público em estações de transporte. Mesmo sem lockdown, o medo e a
conscientização das pessoas, associados às perdas com o comércio internacional
e o turismo, farão a economia sueca cair entre 6,9% e 9,7% segundo seu Banco
Central – situação nem um pouco melhor do que seus vizinhos europeus que
implementaram medidas mais rigorosas de isolamento.
Dois meses depois das primeiras mortes, a população segue
perdida entre um presidente que pensa que tudo se resolveria na base de um
decreto reabrindo o comércio e governadores e prefeitos que parecem empurrar a
curva adiante, em vez de achatá-la. A única evidência científica que dispomos
nesta altura dos acontecimentos é o total despreparo de nossos governantes em
enfrentar a crise e propor soluções para superá-la. No falso dilema entre a
saúde e a economia, caminhamos para um cenário com dezenas de milhares de
mortos e dezenas de milhões de desempregados.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
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