O dinheiro que o Banco Central passar para o Tesouro, da
valorização das reservas, só poderá ser usado para pagar dívida pública, mas de
qualquer maneira ajudará indiretamente no financiamento das despesas. O BC deve
transferir perto de R$ 500 bilhões para o Tesouro, mas, como explicou um
integrante da equipe econômica, “não há mágica. Todo aumento de gasto extra
este ano será financiado por aumento da dívida”. Ou seja, mesmo com a
valorização das reservas e o resultado positivo do Banco Central transferido ao
Tesouro, quando o dinheiro for gasto a dívida ficará maior. A ajuda indireta
ocorre porque recursos que seriam usados para pagar a dívida poderão ser
utilizados para outras despesas.
O lucro do Banco Central foi resultado da valorização do
dólar e, segundo o “Estadão” de terça-feira, a equipe econômica deve pedir a
transferência do resultado do BC no primeiro semestre para os cofres do
Tesouro. Confirmei que de fato ocorrerá, porém, como me foi explicado, “isso é
fonte de financiamento mas não reduz dívida”.
É que na nova lei que definiu o relacionamento entre Banco
Central e Tesouro, o Ministério da Economia pode requisitar o resultado
positivo da valorização das reservas, desde que a transferência seja aprovada
pelo Conselho Monetário Nacional, em situações de restrição de liquidez para
financiar despesa.
— Quando o BC transfere os recursos para o Tesouro isso
equivale à emissão monetária. Mas quando o Tesouro Nacional receber os recursos
e gastar haverá expansão da liquidez e o BC terá que enxugar, aumentando as
operações compromissadas — explicou o técnico da área econômica.
Em resumo, a valorização das reservas, em função da alta do
dólar, vira resultado positivo do BC. Isso é transferido para o Tesouro, mas
quando ele for gasto aumentará a dívida pública.
Há cálculos entre os economistas de que o Brasil pode acabar
saindo desta crise com uma dívida perto de 100% do PIB. Um integrante da equipe
com quem conversei me disse que está sendo estudada uma fórmula que permitirá
em curto prazo a redução do endividamento. Outro técnico do governo, contudo,
vê esse caminho com ceticismo. E diz que mesmo esse dinheiro que irá do Banco
Central para o Tesouro não ajudará a resolver o problema do endividamento
crescente do país.
Quando perguntado sobre como enfrentar as contas públicas
após a pandemia, o ministro Paulo Guedes costuma dizer que basta aprovar as
reformas. Há vários problemas nessa simplificação. O primeiro é saber de que
reformas ele está falando. O projeto de reforma tributária nunca foi
apresentado. A propósito, neste mês de maio completa um ano que o ex-secretário
da Receita disse que no mês seguinte a proposta seria enviada ao Congresso. E
nunca foi porque não existe. O projeto era a volta da CPMF, que foi rejeitada
pelo presidente, mas continua na cabeça do ministro da Economia com o nome de
imposto sobre transações. A reforma administrativa não foi aprovada por
Bolsonaro, tudo o que se conseguiu foi embutir no projeto de socorro aos
estados a proibição de aumento de salários que Paulo Guedes definiu naquela
fatídica reunião com a frase “nós já colocamos a granada no bolso do inimigo”.
Mas é bom lembrar que o presidente adiou a sanção do socorro aos estados, para
dar tempo de policiais terem aumentos e aprovarem planos de contratação.
O segundo ponto é como um governo que decidiu fazer uma
aliança de sobrevivência com o centrão vai aprovar propostas amargas que levem
ao reajuste das contas públicas. Até porque o próprio presidente não estará
disposto a se mobilizar. Como todos viram, Bolsonaro não ajudou na tramitação
da reforma da Previdência. Ela foi aprovada apesar dele. Os novos nomeados pelo
centrão para cargos estratégicos, onde há dinheiro, não foram para os cargos
para fazer austeridade fiscal, evidentemente.
Além disso, antes de pôr em prática uma política de ajuste,
será preciso ainda ter um plano de socorro à economia que estará muito
fragilizada ao fim da pandemia. Será preciso gastar com a reconstrução.
Mas o fato é que o país sairá desta crise com uma alta relação dívida/PIB e precisará ter um plano para efetivamente reduzir o endividamento. Não basta repetir o clichê de que vai aprovar “reformas estruturantes”. Será preciso ter de fato um projeto de reequilíbrio fiscal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário