A mais explícita prova da importância do jornalismo
profissional para a saúde da cidadania quem forneceu foi o ministro do
Meio-Ambiente Ricardo Salles no seu pronunciamento na reunião ministerial cuja
integralidade a Nação, embasbacada, pôde ver e ouvir semana passada, no
desdobramento do processo aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar
a denunciada interferência do presidente Bolsonaro na Polícia Federal.
A bem da verdade, tenho que ressaltar que Salles foi apenas
imprudente e, ao fazer o elogio da esperteza a serviço da imoralidade na ação
pública, destacou a importância da suposta “tranquilidade” que a vigilância da
imprensa dava ao se concentrar na cobertura da Covid-19 para abrir caminhos a
medidas que, em tempos normais, encontrariam obstáculos na reação da opinião
pública, e dos sistemas Judiciário e Legislativo, alertados pela imprensa.
Disse ele, como se desse instruções a comparsas sobre como
bater a carteira dos desavisados: “ (…) pra isso, precisa ter um esforço nosso
aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura
de imprensa, porque só fala de Covid-19, e ir passando a boiada, e mudando todo
o regramento, simplificando normas. (…) Agora é hora de unir esforços pra dar
de baciada a simplificação, é de regulatório que nós precisamos, em todos os
aspectos”.
É justamente essa a atribuição da imprensa, fazer com que a
Nação saiba os projetos e desígnios do Estado, e possa debatê-los. Era isso,
exatamente, que o ministro não queria que acontecesse. A “opinião pública”
surgiu através principalmente da difusão da imprensa, como maneira de a
sociedade civil nascente se contrapor à força do Estado absolutista e legitimar
suas reivindicações no campo político.
Não é à toa, portanto, que o surgimento da “opinião pública”
está ligado ao Estado moderno, que pressupõe transparência do poder público, e
não manobras sub-reptícias que, se precisam da escuridão para serem efetivadas,
é porque beneficiam algum setor, e não a sociedade.
É por isso que o papel da imprensa profissional é o de ser o
cão de guarda da sociedade, segundo definição clássica do presidente dos
Estados Unidos Thomas Jefferson, que dizia que, para cumprir essa missão, a
imprensa deve ter liberdade para criticar e condenar, desmascarar e
antagonizar.
A diferença entre figuras como Bolsonaro e Jefferson está
não apenas aí, mas também. No sistema democrático, a representação é
fundamental, e a legitimidade da representação depende da informação. “Uma
nação conversando consigo mesma” é a definição de jornalismo do teatrólogo
americano Arthur Miller, enquanto para Rui Barbosa, a imprensa é a vista da
nação. “Através dela, acompanha o que se passa ao perto e ao longe, enxerga o
que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam
ou roubam, percebe onde lhe alvejam ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou
destroem, vela pelo que lhe interessa e se acautela do que ameaça”.
É dessa vigilância cidadã que fugia Ricardo Salles, que já
havia mentido oficialmente ao rejeitar as denúncias de ONGs de que o desmatamento
da Amazônia estava crescendo muito, depois que justamente ele, aproveitando que
o país está preocupado com as vidas que estão sendo ceifadas pela Covid-19,
afrouxou as normas de fiscalização na região.
Como demonstrou o ministro do Meio Ambiente, o jornalismo
continua sendo um espaço público em torno do qual se forma o consenso para a
construção da democracia, e é através dele que a sociedade opina e recebe
informações que lhe permitirão tomar posição diante de decisões do governo.
Recentemente, o chefe do Gabinete do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno, depois de se queixar da imprensa, disse que o governo tem as redes sociais para defende-lo das críticas. Confundiu militância política e fake news com informação com credibilidade. Assim como Bolsonaro confunde os organismos oficiais de inteligência e informação com seu sistema particular que, por ser clandestino e ilegal, não tem credibilidade. O bom jornalismo depende da credibilidade de quem o faz, e essa credibilidade está posta em xeque pelas milícias digitais a serviço do governo, qualquer governo.
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