Dói fundo, de maneira dilacerante, a perda de um ente
querido. No domingo último, passavam de dez mil aqueles que haviam nos deixado,
vítimas da Covid-19. Uma barbaridade que não cessou no tempo e no espaço. Uma
dor multiplicada por milhares de familiares, amigos, conhecidos, próximos. Um
País em absoluto estado de luto, de comiseração, de tristeza. O Supremo
Tribunal Federal (STF) e o Congresso naquele mesmo dia desceram a Bandeira
Nacional a meio-mastro e decretaram luto oficial. Mas havia uma figura que
destoava. No seu descaso, nas diversões descabidas, no deboche. Jair Messias
Bolsonaro, o presidente que se recusa a ver a gravidade da situação, que não se
dispõe a liderar o combate para remediar o drama, que segue em modo de negação
doidivana, saiu a passear de jet ski nas águas plácidas do lago Paranoá, na
Capital. Uma bofetada na cara dos brasileiros. Uma afronta e desrespeito
insidiosos aos incontáveis cidadãos amedrontados, consternados, tomados por um
sofrimento e angústia que não cessam.
Não eram meros números, presidente! Vidas, rostos conhecidos
e amados, pessoas que farão falta, se foram e nem o mínimo, o consolo, lhes foi
concedido pelo senhor. Messias, o “mito”, que está mais para cavaleiro do
apocalipse, vive a dizer que não pode fazer nada, que não é com ele, que o
problema é dos outros. Exerce a liderança tão somente para promover algazarra,
manifestações criminosas, incitação à desobediência, carretas da morte, traumas
políticos e administrativos de qualquer natureza. Em resposta à dúvida
inclemente de ações possíveis e esperadas de um chefe de Estado, cabe listar
até as elementares, que não foram sequer cogitadas no plantel de atitudes do
capitão do Planalto: visitas a hospitais dos estados mais atingidos? Zero.
Reunião com médicos na linha de frente? Zero. Encontro com familiares de
vítimas? Zero. Fazer o quê, não é mesmo? Em qual dimensão do espaço sideral se
encontra o conceito de comando desse mandatário? Qual o limite de sua
insensibilidade? Entre sorrisos e demonstrações claras do lazer repulsivo,
Bolsonaro se deixou filmar atracando a “motoca” a uma lancha, entre convivas
que faziam naquele domingão ensolarado um churrasco.
Ele mesmo, o chefe da Nação em pessoa, manifestou o desejo
de realizar uma churrascada (a seguir convencido do malogro da ideia) para 30
convidados, depois alargando o número para três mil, como uma espécie de
provocação aos que seguem, por sobrevivência, o padrão mundial de isolamento.
Não há saída tão eficaz fora da quarentena reparadora. Testada e comprovada,
demonstrou promover a superação de maneira mais rápida naqueles países que a
adotaram rigidamente. Parar e recomeçar, eis o protocolo de antídoto ao caos.
Bolsonaro, na contramão da história, difunde a tese rasa — sem qualquer base
técnica razoável, beirando a irresponsabilidade — de que todos deveriam voltar
à rotina, já que a contaminação será inevitável à maioria. Ignora o essencial:
nas pandemias, em circunstâncias onde doenças se espalham como rastilho de
pólvora, o tempo e o ritmo de contágio ditam o impacto e a letalidade dos
atingidos.
30Bolsonaro desdenhou de alertas médicos. Dispensou o
ministro da Saúde, por informá-lo do perigo, e passou a fritar o substituto,
por esse não atender aos seus caprichos. Foi incapaz de apresentar um plano
estruturado de combate à doença. Um mero esboço sequer. Irremediável
comportamento. Enquanto a Covid-19 avança, dispara lorotas, tal como
“conhecedor” do assunto. Avisou inicialmente que a moléstia não se propagaria
em solo pátrio devido ao “clima tropical”, desfavorável, na tese dele, ao
vírus. Manaus, que torra em temporadas como a atual, tratou de demonstrar o
contrário. Abusou das apostas quando estimou em menos de 800 a quantidade total
de mortes, e o País passou a bater a “meta” a cada 24 horas. Ou seja: todo dia,
o fosso que separa as ilações de Bolsonaro da realidade dobra de tamanho.
Tem mais de um mês que o “atleta” da “gripezinha” decretou que ela estava indo embora e, de lá para cá, a curva de ascensão dos índices de contágio avançou brutalmente, dando saltos pirotécnicos. Não foi embora. Não atendeu aos prognósticos do profeta. Não por menos, a revista médica britânica “The Lancet”, principal publicação científica do mundo, classificou Jair Bolsonaro como a maior ameaça planetária na luta ao coronavírus. Título desonroso. Merecido, embora lastimável. “The Lancet” diz que Bolsonaro perdeu a “bússola moral”. Fincou a faca: “no coração do governo é uma distração fatal em meio à emergência de saúde pública”. Na formulação político solidária dos verdadeiros players dessa guerra, Bolsonaro já conta como carta fora do baralho. Saia de cena, presidente! Organizações internacionais, demais chefes de Estado, STF e Congresso, governadores e prefeitos, até os ministros mais sérios desistiram de dar ouvidos a tantas barbaridades. Resta a dor surreal, o abandono sem explicação, a surpresa espantosa dos que colocaram esse deletério governante no posto.
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