Em dezembro do ano passado —só seis meses, e parece uma
eternidade—, a atriz Isis Valverde falou um palavrão na novela “Amor de Mãe”:
“Você não tem mãe, não? Seu desgraçado! Filho da puta!”. Os sites
especializados apressaram-se em repercutir a cena que “chocou os internautas”.
Logo estes, que vivem xingando uns aos outros nas redes sociais.
Nelson Rodrigues costumava dizer que o espectador deixava o
teatro, depois de assistir a uma peça de sua autoria, com a certeza
de ter escutado 300 palavrões, embora não tivesse ouvido nenhum. É que o
palavrão estava na cabeça deles, que reconheciam o pecado, o desvio moral, a
devassidão, representados no palco, neles próprios. Daí a impressão de sujeira
impregnada no corpo e na alma com que voltavam para casa.
O chulo e o calão se tornaram engraçados e naturais na vida
do país, mas as pessoas insistem em se espantar com eles. Ou fingem que se
espantam. Nelson Rodrigues, de novo, foi ao caroço da questão: “Antigamente, o
brasileiro só usava o palavrão por uma necessidade vital irresistível. Havia,
entre um e outro, uma distância, uma cerimônia, uma solenidade”, escreveu ele.
E concluiu: “De repente, instalou-se nos palcos e nas plateias a doença
infantil do palavrão”. A qual também está alojada, como vimos e ouvimos, nos
altos gabinetes de Brasília.
Que o presidente é uma boca-suja, todos já sabiam, sobretudo
seus eleitores. E, pelo jeito, deve ter contagiado os ministros de “perfil
técnico”. Os repórteres Matheus
Teixeira e Gustavo Uribe contaram 41 palavrões —Bolsonaro liderou, com
33— usados na balbúrdia
de 22 de abril. Alguns de gosto clássico em sua safadeza (“trozoba”) e
outros que ainda não haviam sido dicionarizados em seu sentido mais profundo e
obscuro (“hemorroida”).
O mais inocente da reunião foram os palavrões. E os garçons
servindo à mesa.
Alvaro Costa e Silva
Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".
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