segunda-feira, 25 de maio de 2020

PASSAR A BOIADA

Editorial Folha de S.Paulo

Não faltaram exibições de vileza e servilismo ladrante na famigerada reunião ministerial de 22 de abril. O ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) se destacou, na ocasião, ao manifestar de forma insensível e cínica os atributos valorizados pelo presidente Jair Bolsonaro.

“Precisa haver um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”, propôs, como registrado em vídeo.

Milhares de brasileiros mortos, e o ministro se preocupa em esquivar-se da Justiça, do Ministério Público e da imprensa para seguir desmontando as normas e órgãos de Estado da pasta que recebeu com a missão de manietar.

No Ibama de hoje, termina exonerado quem organiza e põe em marcha ações contra garimpeiros e madeireiros ilegais. No ICMBio, uma reforma de fancaria afasta gestores qualificados na administração de unidades de conservação para substituí-los por policiais e militares inoperantes.

A sabotagem vai concertada com o vice-presidente, Hamilton Mourão, encarregado de ações para conter o desmatamento na Amazônia, e com a ministra Tereza Cristina (Agricultura), que recebeu de presente de Salles o poder de conceder florestas à iniciativa privada.

O general monta operação teatral com uma centena de soldados e helicópteros em Mato Grosso, usurpando função do Ibama, só para ter certeza de não autuar ninguém. A ministra pediu, e Salles deu uma canetada para tentar inutilizar restrições impostas na Lei da Mata Atlântica.

Para o governo Bolsonaro, floresta boa é floresta morta. Os resultados dessa política antiambiental estão bem à vista: a área desmatada na Amazônia, que já havia saltado 29,5% em 2019 e chegado a 9.762 km², um recorde na década, prossegue em alta. Já se projeta que a devastação possa alcançar mais de 12.000 km² neste ano.

No mundo inteiro, com as economias nacionais vergastadas pela pandemia de coronavírus, estão em queda as emissões de carbono (gases do efeito estufa que alimentam o aquecimento global). Só o Brasil terá alta, em consequência da destruição de florestas.

O mês transcorrido desde a fatídica reunião de ministério se encarregou de mostrar que Salles fracassou no intento sub-reptício de passar a boiada despercebida em plena epidemia. Juízes, procuradores e jornalistas seguem vigilantes na denúncia de sua política de terra arrasada e coberta de estrume —para usar um termo a gosto do presidente Jair Bolsonaro.

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