Num momento de ansiedade e incertezas, multiplicam-se as
previsões e os cenários sobre o mundo pós-pandemia. Mas todos esses cenários,
creio, dependem da evolução da mesma variável que nos pôs nesta situação tão
difícil: o coronavírus.
Uma das minhas referências nas previsões sobre o coronavírus
é Bill Gates. Ele dedica parte de sua fortuna ao financiamento de projetos de
saúde pública. Precisa ser bem informado, no mínimo, para não jogar dinheiro
fora. Em curto artigo sobre as perspectivas, Gates acha que uma vacina eficaz
contra o coronavírus estará pronta até 2021. Os caminhos da pesquisa indicam
duas direções. Uma delas é a vacina tradicional, que utiliza um vírus
desativado. A outra, aproveitando os avanços da genética, poderia informar as
células para que bloqueiem o vírus.
Existe uma possibilidade mais rápida, anunciada pelos
cientistas de Oxford no jornal The New York Times. Eles acham que conseguem
lançar sua vacina ainda em setembro de 2020. Fizeram experiências com seis
macacos e foram bem-sucedidos. Pretendem agora experimentá-la em 5 mil pessoas
e obter a licença.
Nesse cenário, o mais otimista possível, até o final do ano
já estaria em circulação uma vacina eficaz contra o coronavírus. Além de
algumas centenas de milhares de mortes, apenas o ano de 2020 estaria perdido.
Outra variável que Gates aborda é a dos remédios. Ele
considera ter havido um subinvestimento em pesquisas de remédios antivirais,
comparadas com os antibacterianos. Acho que vai se mover nesse campo. Não
existe hoje uma bala de prata. Como não existiu na luta contra o HIV-aids, para
o qual, finalmente, se chegou a um coquetel de drogas.
Talvez as coisas sejam mais promissoras no campo dos testes.
A tendência é que evoluam, possam ser vendidos com mais facilidade e ser usados
em casa. Como já o são alguns outros testes, como o de gravidez.
Gates acha que, assim como depois de 1945 foi necessário
criar uma instituição internacional para garantir a paz, será também necessária
uma organização internacional para combater as pandemias, novos vírus que podem
vir tanto de morcegos como de pássaros. Esse desdobramento internacional não é
fácil. Uma declaração da ONU de cooperação em torno de vacinas, remédios e
testes não foi apoiada por EUA, Brasil e mais 12 países.
Imagino que uma das razões da reserva norte-americana seja o
direito de exploração conferido pelas patentes. Suas grandes empresas investem
milhões de dólares em pesquisas e, naturalmente, querem receber esse
investimento de volta, com os devidos lucros.
Esse foi um grande debate travado também no período da aids,
quando se questionou o respeito às patentes numa situação excepcional. O Brasil
tinha razões para questionar. Adotou uma lei que garantia o coquetel gratuito
aos portadores de HIV e isso custava caro ao País. O ministro da Saúde na época
era o hoje senador José Serra. Ele defendeu o que me parece ter sido a posição
correta de acordo com o interesse nacional.
Hoje, em plena pandemia de coronavírus e diante de outras
que podem vir, o Brasil se distancia da ideia de cooperação internacional para
se alinhar com os EUA, que têm interesses bem específicos. A julgar pela
posição do chanceler Ernesto Araújo, estamos diante de um “comunavírus”, que
tende a acentuar a influência internacional sobre os países, reduzindo sua
autonomia.
É um raciocínio que se assemelha às posições do Brasil sobre
o esforço internacional para atenuar os efeitos do aquecimento planetário.
Assim como é difícil, hoje, prever uma nova situação sem levar em conta a
trajetória da covid-19, será muito difícil também excluir a variável ambiental
de qualquer cenário futuro.
Ao contrário de países como a Nova Zelândia e a Austrália, o
Brasil politizou o vírus. Eles foram bem-sucedidos, assim como, de certa forma,
Portugal, onde governo e oposição se uniram diante do inimigo comum.
Num dos primeiros artigos que escrevi sobre o vírus, quando
ele estava circunscrito a Wuhan, na China, afirmei que para combatê-lo seria
necessária uma visão nacional e solidária. Não foi isso o que aconteceu. Assim
como pesou para as civilizações antigas na América ter uma visão mítica sobre
os invasores, ou deve pesar no Haiti encarar com o vodu os grandes desastres
naturais, o Brasil mergulhou na cegueira ideológica.
Durante muito tempo, discutiu-se se era um vírus comunista
destinado a enfraquecer o governo. Da mesma forma, discutiu-se se a cloroquina
era ou não um remédio de direita.
O vírus é apenas uma proteína envolvida numa capa de
gordura. E a cloroquina, uma substância química usada contra malária e outras
doenças.
Portanto, quando se escrever a história dessa peste no
Brasil, não se pode apenas culpá-la pelos estragos que fez. O governo digeriu
mal a tese da imunização pelo amplo contágio e refugiou-se nela na esperança de
tocar a economia.
Se continuar se comportando com o meio ambiente com a mesma
cegueira ideológica com que encara o coronavírus, os cenários do futuro, não
importa quão sofisticado for o seu desenho, terão de contar com o pano de fundo
de uma terra arrasada.
*Jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário