É madrugada de quarta-feira, dia 20 de maio de 2020. O dia
começou há pouco: digito essa frase às 00h37. Há oficialmente 271.885 casos
confirmados de Covid-19 no Brasil e 17.983 mortes, mas o que o Ministério da
Saúde diz não se escreve, até porque não temos ministro, não temos equipe no
segundo escalão, não temos políticas federais minimamente confiáveis, não temos
testes suficientes, não temos nada, nada, nada — além de alguns milicos
brincando de médico e da certeza absoluta de ter o pior governo possível no
pior momento imaginável.
A situação é tão desesperadora que, nesse momento, o
coronavírus é o menor dos problemas do Brasil. Já se prevê uma vacina em futuro
razoável, adivinham-se possíveis anticorpos aqui e ali, a Ciência funciona e,
mais cedo ou mais tarde, estaremos livres disso, assim como ficamos livres de
outras doenças — a peste bubônica, várias gripes, a paralisia infantil, a
meningite, a Aids. Elas não desapareceram, mas já as conhecemos e as combatemos
com eficiência suficiente para não temê-las mais (ou não temê-las tanto).
Mais difícil vai ser encontrar uma cura para a maldição que
rege Brasília. E que não, não vem de 2018, embora nesse ano tenha chegado a um
patamar nunca antes atingido na História desse país. Saímos cheios de esperança
da ditadura — para cair em Sarney e Collor. Elegemos Fernando Henrique — mas
ele nos legou a reeleição, essa sim a verdadeira Herança Maldita, que fez com
que todos os que se sentassem depois naquela cadeira desgraçada sonhassem em se
fincar no poder até o fim dos tempos (ou, pelo menos, até o fim das reeleições
possíveis).
De desastre em desastre viemos dar aqui: um sociopata
genocida apoiado por militares.
Não é difícil entender Bolsonaro. Ele é um Napoleão de
hospício com poder real, com a caneta que é, afinal, o sonho de todo Napoleão
de hospício. Numa sociedade saudável, porém, Napoleões de hospício estão,
obviamente, no hospício, e não na Presidência da República.
O Napoleão de Hospício é doido, mas as pessoas que estão ao
seu redor não são.
Por isso, paradoxalmente, é tão difícil entender o fenômeno
Bolsonaro, sobretudo para além das eleições. Eleitores desesperados (ou seja,
quase todos, sempre) fazem qualquer coisa, de entregar países a tiranos ou
cidades a rinocerontes. Mas uma coisa é entregar uma cidade a um rinoceronte,
outra deixá-lo governar e, ainda por cima, incentivar os seus arroubos.
Cacareco continuou no zoológico; Jair Bolsonaro é
presidente.
Os militares passaram os últimos 35 anos tentando mudar a
imagem sombria que conquistaram durante a ditadura. Ainda que não possam
reescrever a História, tiveram êxito. Respeitaram a constituição, trabalharam
muito e falaram pouco. As pesquisas de opinião mostram que reconquistaram a
confiança da população.
Agora, como se 1964 não tivesse acontecido nunca, começam a sair dos quartéis e se aliam a um homem que foi afastado das Forças Armadas por indisciplina e deslealdade.
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