O presidente Jair Bolsonaro sente-se cada vez mais à vontade
para revelar à Nação suas intenções autoritárias. A bem da verdade, decoro e
respeito à ordem constitucional jamais foram traços do caráter do mau militar e
do deputado medíocre. Por que haveriam de ser do presidente da República? O
elevado cargo que ora ocupa não mudou a personalidade de Bolsonaro; foi ele
quem rebaixou a Presidência para acomodá-la à sua estreiteza moral, cívica e
intelectual. Como se vê em suas palavras e atitudes, se Bolsonaro tem na cabeça
alguma ideia de como conduzir o País, é certo que não o levará a bom porto. E
basta assistir à inacreditável reunião ministerial trazida a público por ordem
do Supremo Tribunal Federal (STF) para perceber que a eventual ilegalidade dos
meios para a consecução de seus fins não passa de desprezível detalhe.
O melhor que pode acontecer ao País nesta encruzilhada da
História é que as perigosas intenções do presidente permaneçam onde estão, ou
seja, no plano das intenções. Isto só será possível se as instituições se
mantiverem firmes e resistirem com coragem e espírito público às desabridas
pressões do atual chefe do Poder Executivo. É hora de as Forças Armadas, o
Congresso, o STF, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a imprensa
profissional exercerem suas atribuições republicanas sem desviar um milímetro
das prerrogativas que a Constituição lhes confere. Não é fácil, mas resistir é
preciso.
Contando com o estímulo de Jair Bolsonaro, o bando de
celerados que o apoiam e batem ponto nas redondezas dos Palácios do Planalto e
da Alvorada recrudesceu os ataques aos jornalistas que cobrem a Presidência.
Tão virulentos foram esses ataques que os mais importantes veículos de
comunicação do País decidiram suspender a cobertura jornalística naqueles
locais. Longe de se tratar de “recuo” ou de simples “manifesto” da imprensa
contra o governo, a decisão visa à proteção da integridade física dos
jornalistas, que só está sob risco porque o cidadão Augusto Heleno, chefe do
Gabinete de Segurança Institucional (GSI), não exerce a contento o seu dever de
garantir a incolumidade de todos os que estão em áreas de segurança nacional.
As agressões sofridas pelo fotógrafo Dida Sampaio, do Estado, e por
jornalistas da Folha de S.Paulo e da TV Bandeirantes ilustram bem do
que os camisas pardas do bolsonarismo são capazes.
Mas as ameaças à liberdade de imprensa não se dão apenas
pela coação física e pelo assédio moral praticados contra os jornalistas de
campo. William Bonner, editor-chefe e apresentador do Jornal Nacional, da
Rede Globo, tem sido vítima de chantagens e fraudes por meio do uso de dados
pessoais de seu filho. De um número telefônico com prefixo 61 (Brasília), o
jornalista recebeu mensagens com dados fiscais sigilosos seus e de sua família.
O objetivo dessas ações, obviamente, é tolher o livre exercício da profissão.
Não se sabe a autoria dos crimes, mas não se ouviu uma só palavra de repúdio de
Jair Bolsonaro ou de qualquer membro de seu governo ao ato vergonhoso e
covarde. É com tais vícios morais que os bolsonaristas e seus inocentes úteis
se associam?
Como a imprensa, o Congresso, a PGR e o STF, entre outras
instituições de Estado, têm sido constrangidos por Bolsonaro a afrouxar a
independência e os controles constitucionais que regem o sistema de freios e
contrapesos. O desassombro dos avanços autocráticos do presidente é tal que faz
crer que ele realmente se vê como um ungido para governar o País como melhor
lhe aprouver, devendo satisfações apenas a seus caprichos. Não é hora de
tibieza. A resposta das instituições deve ser à altura das ameaças. Ao tomar
posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Luís Roberto
Barroso afirmou que “não há volta no caminho da estabilidade institucional e
democrática”. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, disse que
“prudência não pode ser confundida com hesitação”, enfatizando que a
“preservação da democracia” não será descuidada pela Casa das Leis.
As forças vitais do País deveriam estar inteiramente voltadas para a tarefa de salvar o maior número de vidas possível em meio à pandemia. Desafortunadamente, o Brasil hoje tem de lutar pela vida e pela liberdade a um só tempo. Mas se é assim, à luta, pois.
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