Só não enxerga quem
não quer
Não é preciso ter sangue frio para saber lidar com um
presidente da República que chega de repente, quase sem avisar, ao prédio do
Supremo Tribunal Federal acompanhado de uma comitiva não prevista de ministros
de Estado e empresários. Basta ter coragem e a exata noção da dignidade do
cargo que ocupa.
O primeiro amigo de Bolsonaro foi feito de bobo outra vez. O
ex-capitão afastado do Exército por indisciplina e falta de ética usou como
fralda a toga do ministro Dias Toffoli, duas vezes reprovado no passado em
concurso para juiz. Acabou indicado para o tribunal por ter servido bem ao
governo de Lula. É a República dos medíocres!
A expressão “primeiro amigo de Bolsonaro” é usada por
colegas de Toffoli quando querem criticá-lo. É quase unânime entre eles a
opinião de que Toffoli se comporta como um aliado do presidente da República
desde o início do seu governo. Encantou-se com a missão a que se propôs:
apaziguar as relações entre os Poderes.
É tudo o que não interessa a Bolsonaro. Ele é um fabricante
de crises. Não consegue viver sem uma. E, no momento, está à procura de um
sócio para segurar na alça dos caixões enterrados todos os dias com vítimas do
coronavírus. Toffoli seria o sócio ideal pela posição que ocupa e pelo medo
atávico que tem dos que usam farda.
A Praça dos Três Poderes já assistiu à marcha de políticos,
encabeçada, à época, pelo presidente do Senado Antônio Carlos Magalhães em
direção ao Palácio do Planalto para protestar contra a intervenção em um banco.
Foi no governo de Fernando Henrique Cardoso. O episódio deu em nada. Serviu só
para fazer barulho.
Foi para fazer barulho, pôr pilha em seus devotos da extrema
direita e desviar a atenção do distinto público dos efeitos da pandemia que
Bolsonaro marchou sobre o prédio do Supremo onde não tinha hora marcada.
Toffoli foi constrangido a recebê-lo sem reclamar. E a ter seu gabinete
transformado em estúdio de propaganda.
Não sabia que Bolsonaro estaria acompanhado de uma grande
comitiva. Nem que seu encontro com ele seria transmitido ao vivo nas redes
sociais. Muito menos que Bolsonaro comandaria o espetáculo. Foi o que ele fez.
Sentou-se ao centro de uma mesa. Falou e passou a palavra quem quis. Por
último, a concedeu a Toffoli.
Enquanto falava o presidente do Supremo, Bolsonaro olhava
para frente, não para o lado onde Toffoli estava. A certa altura começou a
mostrar impaciência com o pronunciamento do anfitrião. Sem disfarçar, chegou a
consultar o relógio pelo menos uma vez. À saída da audiência, usou o prédio
como cenário para discursar.
Sua performance foi chamada de “presepada”, “molecagem”,
“factoide” e “pegadinha” por ministros do Supremo chocados com o que
assistiram. Foi tudo isso e muito mais. Foi principalmente um ato de desrespeito
a outro Poder. Mais de uma vez, Bolsonaro marchou sobre o Congresso, mas não
ousou provocá-lo a esse ponto.
O mau exemplo dado por Bolsonaro aos que o chamam de Mito
poderá instigá-los a irem além das ofensas que por ora se limitam a gritos e a
exibição de cartazes e de faixas onde pregam o fechamento do Supremo e do
Congresso. Acelera a marcha insana para submeter os demais poderes à vontade de
um ex-sindicalista militar.
Mais concessões para que o Congresso barre o impeachment
Tudo para completar o mandato
Aliar-se ao Centrão, grupo que reúne os partidos mais fisiológicos do
Congresso, surpreende a quem acreditou na promessa do presidente Jair Bolsonaro
de acabar com a política do “é dando que se recebe” – você me dá cargos no
governo e eu lhe dou meu voto.
Bolsonaro apenas reconciliou-se com sua origem. E com tal
disposição que já avisou ao novo ministro da Justiça e da Segurança Pública
que, em breve, poderá dividir seu ministério em dois. A Justiça ficaria com
ele. A Segurança Pública com o Centrão.
O ministro, que em seu discurso de posse bateu continência duas vezes para Bolsonaro e disse que seria “um servo”, respondeu que taokey. A Justiça, para ele, basta. Para o Centrão, tudo é pouco. Há na Câmara mais de 20 pedidos de impeachment contra Bolsonaro.
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