quarta-feira, 6 de maio de 2020

SELVAGENS

Editorial O Estado de S.Paulo

Os camisas pardas do bolsonarismo vestem verde e amarelo. As cenas de selvageria protagonizadas por esses delinquentes travestidos de patriotas durante manifestação com o presidente Jair Bolsonaro em Brasília, ao agredir o repórter fotográfico do Estado Dida Sampaio e outros profissionais de imprensa, envergonham a Nação.

O Brasil civilizado demanda que as autoridades façam uma investigação independente, rigorosa e célere dos fatos, sem se deixarem constranger pela truculência e pelo despudor característicos dos bolsonaristas. O presidente Bolsonaro deveria ser o primeiro a exigir ampla apuração. Mas Bolsonaro quer fazer o País acreditar que ele nem sabe se houve alguma agressão, fartamente registrada: “Eu não vi nada. Recriminamos qualquer agressão que porventura tenha havido. Se houve agressão, é alguém que está infiltrado, algum maluco, deve ser punido”.

Mais uma vez, o sr. Jair Bolsonaro trata os brasileiros como tolos. Tenta minimizar os múltiplos crimes e transgressões cometidos em comício que ele próprio estimulou – a começar pela aglomeração em plena pandemia de covid-19, passando pelas palavras de ordem golpistas e culminando com a covarde agressão a jornalistas.

A esta altura, não é mais possível dissociar a violência bolsonarista daqueles que a inspiram. Mas só há um responsável direto pela espiral de afronta à democracia por parte dos desordeiros com camisas da seleção brasileira – este é o sr. Jair Bolsonaro, de quem se esperam desculpas não em privado, transmitidas por assessores, mas sim públicas, tal como foram as agressões, e essas desculpas devem ser dadas aos jornalistas atacados, a este jornal e ao País. Mas já não há mais esperança de que o presidente venha a desencorajar os boçais que agem em seu nome. Ao contrário: a julgar pelo que disse no domingo, Bolsonaro está disposto a dobrar a aposta contra a democracia, envolvendo agora as Forças Armadas – que, segundo ele, “estão ao nosso lado”.

Depois de sucessivas derrotas no Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro declarou que “chegamos no limite”, que “não tem mais conversa” e que “faremos cumprir a Constituição, ela será cumprida a qualquer preço” – referindo-se não à Constituição promulgada em 1988, mas a uma imaginária, que lhe dá poder absoluto.

O presidente, cujo apoio militar se resume a oficiais que ele levou para o governo e que são seus amigos dos tempos de quartel – relação que produz um tipo de lealdade que é pessoal, e não em torno de princípios –, claramente tenta enredar as Forças Armadas em sua ofensiva para desmoralizar o sistema constitucional de freios e contrapesos. “Esse é um fato que traz algum grau de preocupação, porque as Forças Armadas são instituições de Estado, subordinadas à Constituição, e portanto não estão vinculadas a governo nenhum”, reagiu o ministro do STF Luís Roberto Barroso, revelando uma inquietação que deveria ser de todos. Cabe aos chefes militares deixarem claro que nada têm a ver com a aventura bolsonarista e que, ao contrário, a repudiam.

Também se espera das forças vivas da Nação que manifestem não apenas sua repulsa, mas principalmente seu destemor diante de Bolsonaro e do bolsonarismo. “Cabe às instituições democráticas impor a ordem legal a esse grupo que confunde fazer política com tocar o terror”, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. É preciso demonstrar que a Bandeira Nacional não pertence a essa minoria de desqualificados, que tentam sequestrar os símbolos pátrios para se apresentarem como os únicos brasileiros do País – os demais seriam “comunistas”, como foi chamado o ministro do STF Alexandre de Moraes, autor de decisões contrárias a Bolsonaro, numa intimidatória manifestação bolsonarista.

A escalada golpista coincide com o avanço de investigações sobre o clã Bolsonaro. E também coincide com a redução significativa do apoio popular ao presidente: a mais recente pesquisa da XP/Ipespe mostrou que em uma semana cresceu sete pontos porcentuais, para 49%, a fatia de brasileiros que consideram o governo Bolsonaro “ruim” ou “péssimo”. O recado a Bolsonaro vai ficando assim claríssimo: cada vez menos brasileiros toleram um presidente que, eleito para governar para todos, escolheu agir como condutor de pandilha.

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