A operação policial no Palácio Laranjeiras, residência
oficial dos governadores do Rio, faz parte de um amplo mosaico de combate à
corrupção que é bem vindo, mas traz consigo a desconfiança de que a Polícia
Federal esteja sendo usada para objetivos políticos depois da mudança de chefia
recente.
O fato de que esta é a segunda vez em pouco tempo que um
governador do Rio recebe a visita da Polícia Federal em sua casa – o outro,
Pezão, foi levado preso de lá – diz muito sobre a deterioração da política do
Estado, onde milicianos e trambiqueiros de diversos naipes dominam os serviços
terceirizados, especialmente os da Saúde, numa perversão que não parou no
governo Sergio Cabral.
Os trambiqueiros são os mesmos, Mario Peixoto tinha ligação
antiga com o governo anterior, e já na campanha sua presença no entorno de
Witzel foi denunciada pelo também candidato Romário. Milícias disputam os
poderes entre si, federal e estadual.
Os indícios contra o governador do Rio, Wilson Witzel,
sempre foram muito fortes desde o inicio, quando ele desmontou o sistema
unificado de polícias do Rio na Secretaria de Segurança organizado pelo
militares durante a intervenção, e voltou a aceitar indicações políticas para o
comando de batalhões, segundo informações das autoridades da época. O
interventor foi o General Braga Neto, que hoje ocupa o Gebinete Civil da
presidência de Bolsonaro.
Mas o presidente Bolsonaro festejar com risadas e dar os
parabéns à operação da Polícia Federal tem o mesmo efeito dos cumprimentos e
elogios ao procurador-geral da República, Augusto Aras, ao visita-lo de
surpresa para elogiar de corpo presente os “formidáveis” membros do Ministério
Público.
Com atitudes como essas, Bolsonaro pressiona publicamente
órgãos de Estado que são autônomos e precisam demonstrar essa condição em
situações delicadas, como, por exemplo, recolher o celular de uma autoridade.
Ontem, os celulares e computadores do governador do Rio Wilson Witzel foram
confiscados pela PF com a autorização do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Por que então é considerado pelo governo federal uma ofensa
a simples menção à possibilidade de confiscar o celular do presidente da
República, a ponto de o General Augusto Heleno dar-se ao desplante de soltar
nota oficial, respaldada pelo ministro da Defesa, ameaçando com uma crise
institucional “de consequências imprevisíveis”?
O mesmo General, juntamente com seus colegas de farda Braga
Neto e Luiz Eduardo Ramos, sentiu-se ofendido quando o mesmo ministro Celso de
Mello convocou-os para deporem como testemunhas e, no documento de convocação,
havia o aviso de praxe de que se não comparecessem no dia marcado poderiam ser
levados a depor coercitivamente debaixo de vara.
Todo cidadão brasileiro recebe intimações nesses termos, por
que os generais não poderiam também serem tratados como cidadãos comuns?
Sentem-se “mais iguais que os outros”, lembrando George Orwell na Revolução dos
Bichos? Essas suspeitas tornam nubladas operações que podem ser corretas, no
meio de uma confusão política enorme.
Que o Palácio do Planalto sabia da operação no fim de semana
parece não haver mais dúvidas, e não apenas porque a deputada Carla Zambelli
deu com a língua nos dentes e antecipou em entrevista operações contra
governadores.
Assessores próximos do presidente da República comentaram
com amigos a possibilidade de prisão de Witzel no sábado. A suspeita de que a
nova direção da Polícia Federal está satisfazendo a “curiosidade” do presidente
Bolsonaro, especialmente no Rio de Janeiro, é o efeito colateral dessa ação, o
que pode ser mortal para a nossa democracia.
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, soltou ontem
uma nota oficial sóbria mas enérgica, cujo núcleo é a defesa da tese
democrática de que ordem judicial se cumpre, e que a relação entre os poderes
não pode estar ameaçada por sentimentos espúrios.
É preciso decifrar em que pé está a interferência de Bolsonaro diretamente na Polícia Federal, especialmente no Rio. Muita coincidência que tudo em primeiro lugar aconteça no Rio. A primeira decisão do novo diretor da PF foi a troca do superintendente do Rio, a primeira operação foi aqui também. É preocupante imaginar que o presidente esteja constrangendo Polícia Federal, procuradoria-geral da República e Ministério Público. Pode ser perigoso para a democracia.
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