Boa a escolha do advogado baiano Augusto Aras para o cargo
de Procurador-Geral da República. Boa para o presidente Jair Bolsonaro,
naturalmente.
Aras concorre com a Advocacia-Geral da União para ver quem
mais defende Bolsonaro nas trapalhadas em que ele se mete – a mais recente, sua
tentativa de intervir na Polícia Federal.
A Advocacia pediu ao ministro Celso de Mello, do Supremo
Tribunal Federal, para que não permitisse a exibição do vídeo da reunião
ministerial de abril último. Aras pediu a mesma coisa.
Diante de sinais de que Mello permitiria a divulgação, a Advocacia recuou e
pediu que fosse preservado o sigilo de trechos que poderiam abalar as relações
entre o Brasil e outros países.
Aras nem isso fez. Insistiu com o sigilo total do vídeo.
Recebeu de volta uma lição de Direito que ocupou muitas páginas do despacho de
Mello que liberou o vídeo para ampla divulgação.
Desde 2003 que o Ministério Público Federal apresentava ao
presidente a lista com os nomes dos três procuradores mais votados pela
categoria. Cabia a ele escolher entre os três.
No ano passado, Bolsonaro avisou que desprezaria a lista.
Àquela altura, estava exasperado com o avanço das investigações sobre o
dinheiro tomado por sua família a servidores públicos.
Entre os muitos poderes do Procurador-Geral da República
está o de denunciar ou não parlamentares, ministros de Estado e o presidente
por crimes cometidos no exercício do cargo.
Rachel Dodge denunciou Dilma e Lula pelo crime de terem
recebido propina da Odebrecht. Rodrigo Janot denunciou Temer duas vezes por
obstrução de Justiça e organização criminosa.
Antes de nomear Aras procurador-geral, Bolsonaro traçou o perfil de quem
escolheria para a função:
– Que entenda a situação do homem do campo e não fique com
essa ojeriza ambiental; que não atrapalhe as obras, dificultando licenças; que
preserve a família brasileira; e que entenda que as leis têm que ser feitas
para a maioria e não para as minorias.
Até aqui, Aras tem se comportado ao gosto de Bolsonaro. O
presidente está convencido de que ele, tão logo possa, mandará arquivar o
inquérito que ora tanto o desgasta. Quanto mais rápido, melhor.
São fartas as evidências de que Bolsonaro tentou intervir na
Polícia Federal, o que levou à demissão do ex-ministro Sérgio Moro. E sequer
provas são necessárias para que a denúncia seja feita.
Em 15 de agosto do ano passado, Bolsonaro anunciou em
entrevista coletiva que queria trocar o superintendente da Polícia Federal no
Rio. Houve a troca, mas ele não emplacou seu substituto.
Uma semana depois, foi mais longe, e também publicamente.
Desta vez disse que poderia trocar o diretor-geral da Polícia Federal, o
delegado Maurício Aleixo. Moro se opôs e Aleixo ficou.
Na manhã de 22 de abril passado, Bolsonaro enviou a Moro uma
mensagem de celular informando-o que demitiria Aleixo. Demitiu no dia seguinte.
E substituiu o superintendente da polícia no Rio.
Na reunião ministerial de 22 de abril, a poucas horas de
consumar as mudanças que faria na Polícia Federal, Bolsonaro queixou-se:
– É putaria o tempo todo pra me atingir, mexendo com a minha
família só de sacanagem, ou amigos meus.
O artigo 321 do Código Penal define assim o crime de
advocacia administrativa:
“Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado
perante a administração pública valendo-se da qualidade de funcionário”.
Aras dará um jeito de desprezar as evidências e garantir
para Bolsonaro e para si um futuro tranquilo. Dessa, Bolsonaro deverá escapar.
Aras espera em troca ser reconduzido ao cargo em 2021.
Ou, de preferência, ser indicado por Bolsonaro para uma das
duas vagas de ministros que se abrirão no Supremo Tribunal Federal: as de Celso
de Mello, este ano, e a de Marco Aurélio Mello, no próximo.
Tudo que é sólido desmancha no ar, até Paulo Guedes
Parece que só Bolsonaro enxerga o inceberg
Meritório o esforço do mercado financeiro em fingir que o
vídeo da reunião ministerial de abril último não revelou qualquer
irregularidade cometida pelo presidente Jair Bolsonaro, nem mesmo a tentativa
ali explicitada de intervir politicamente na Polícia Federal, como disse o
ex-ministro Sérgio Moro.
De resto, segundo agentes do mercado, Bolsonaro deu provas
mais uma vez de que na Economia manda e mandará o ministro Paulo Guedes. Nada,
pois, a turvar o horizonte do país. Daí o movimento na Bolsa de Valores que se
recupera e o freio na desvalorização do real diante do dólar. Assim é se lhe
parece.
Bolsonaro limitou-se a repetir o que sempre disse com
relação a Guedes – tanto mais em momentos em que mantém abertas tantas frentes
de batalha ao mesmo tempo. O desempenho de Guedes na reunião foi pífio e
vexaminoso – mas o melhor, por enquanto, é fazer de conta que foi bom como se
esperava.
Guedes sugeriu que seu propósito é atrelar o destino da
economia à obsessão do presidente em se reeleger. O que isso poderá significar?
Os magos do mercado que consultem os astros. Guedes falou em ganhar dinheiro
com a ajuda a grandes empresas e em deixar as pequenas de mão.
As pequenas são responsáveis pelo emprego de milhões de
pessoas. Acenar com a abertura temporária de frentes de trabalho para milhares
de jovens a 200 reais e apenas por dois meses, nada tem a ver com o que fizeram
certos países asiáticos em epidemias recentes. O tráfico de drogas remunera
melhor.
O que Guedes propôs está mais para o que fizeram governos militares na década de 70 quando a seca no Nordeste matava gente de fome. As frentes de trabalho pagavam uma ninharia a flagelados da seca para que limpassem estradas ou construíssem estradas que muitas vezes ligavam o nada a coisa alguma.
Caso se veja frente a frente com o iceberg que ele já começa a enxergar, Bolsonaro será capaz de esquecer tudo o que já disse sobre Guedes e trocá-lo por quem prometa retardar a colisão.
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