O presidente
Jair Bolsonaro deu uma de Jair Bolsonaro: fingiu que foi, mas não
foi. Moldado pelos generais e pela assessoria direta não ligada ao “gabinete
do ódio”, ele reagiu com moderação e rapidamente ao revogar a nomeação de Alexandre Ramagem para a Polícia
Federal, que havia sido suspensa pelo Supremo, mas, à
tarde, mandou recados sobre a independência entre Poderes e no fim
da quarta-feira já avisava que mudaria tudo. Por quê? “Quem manda sou eu.”
Antes de embarcar para Porto Alegre, para mais uma
solenidade militar, Bolsonaro admitiu na quinta-feira, 30: “Quase tivemos uma
crise institucional. Faltou pouco”. Ou seja, o presidente pensou
seriamente em desobedecer uma decisão do Supremo, descartando a regra de que “decisão
judicial não se discute, cumpre-se” – e, se for o caso, recorre-se.
Se o presidente agora não pensa em outra coisa senão em
nomear Ramagem como diretor-geral da PF,
o mundo político parecia se dividir. A primeira reação, assim que Alexandre
de Moraes suspendeu a posse, foi de amplo apoio à decisão do
ministro do Supremo. Na quinta, começaram as ressalvas. Pelo twitter, o ex-presidente Fernando Henrique disse que
“os choques entre poderes não ajudam a democracia” e opinou: “Acho que cabe ao
PR (presidente) nomear o diretor da PF”.
No centro do embate entre Supremo e Planalto, ou entre
Moraes e Bolsonaro, está o confronto entre, de um lado, o dispositivo de que é
“atribuição exclusiva do presidente”, a nomeação de ministros e do
diretor-geral da PF e, do outro, os princípios de “impessoalidade, moralidade e
interesse público”.
Há margem, portanto, para questionar a decisão de Moraes.
Quem interdita a discussão é Bolsonaro, ao fazer um ataque pessoal a um
ministro do Supremo, dizendo que a decisão de Moraes foi “política” e que ele
foi indicado para a função por ser amigo do presidente
Michel Temer. Bolsonaro interrompeu, assim, a possibilidade de um
debate entre sua atribuição exclusiva e o critério de impessoalidade. Trabalhou
contra ele próprio e atraiu nova avalanche de críticas para ele e de manifestações
em defesa de Moraes e do STF.
Há outra questão importante, como alerta o ex-ministro da
Justiça e do Itamaraty Aloysio Nunes Ferreira, tucano como FH. O problema
não seria o presidente exigir acesso aos relatórios de inteligência, mas sim às
investigações judiciárias.
Bolsonaro tem razão quando diz que a PF integra o Sistema
Brasileiro de Inteligência e, se seus relatórios já podem ser
encaminhados à Abin, órgão de assessoramento direto ao presidente,
por que não poderiam ser divididos com o próprio presidente? Isso, porém, não
significa ampliar esse acesso do presidente, ou de qualquer pessoa, ao conteúdo
de investigações sigilosas determinadas pelo Judiciário. Isso é outra coisa,
muito diferente.
Relatórios de inteligência contêm informações da atuação
explícita da PF nas fronteiras, no combate ao crime organizado e no tráfico de
armas, drogas e pessoas, que podem ser importantes na definição de estratégias
do governo. Já as investigações judiciais são sobre organizações, pessoas,
aliados ou adversários do presidente. Logo, poderiam não ter uso de interesse
público, mas sim político e até pessoal nas mãos do presidente – qualquer
presidente.
O mais grave, assim, é o que Moro expôs à nação no seu
celular: a intenção de Bolsonaro de intervir em investigações da PF contra “dez
a doze deputados bolsonaristas”. Não tem nada a ver com inteligência
nem segurança nacional, mas com o mais comezinho interesse político de salvar a
pele de aliados. É isso o que baseia a decisão de Moraes e vai alimentar o
inquérito sobre Bolsonaro e Moro. E pode ter mais...
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