quarta-feira, 6 de maio de 2020

UM CARRASCO NO PLANALTO

Bernardo Mello Franco, O GLOBO

O Brasil já contava 7.025 mortos pelo coronavírus quando Jair Bolsonaro encontrou tempo para confraternizar com um carrasco da ditadura. Na manhã de segunda-feira, o presidente abriu o gabinete para receber Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió. Ele já foi denunciado seis vezes pela matança promovida pelo Exército na repressão à Guerrilha do Araguaia.

O encontro foi omitido da agenda oficial de Bolsonaro. Só entrou nos registros à noite, depois de revelado pelo blog de Rubens Valente no UOL. Mais tarde, um senador governista divulgou fotos da conversa. Numa delas, o presidente aparece agachado ao lado do visitante, acusado de participar de sequestros e assassinatos.

O próprio Curió forneceu provas do massacre. Em 2009, ele abriu arquivos ao jornal O Estado de S. Paulo e confirmou a execução de 41 militantes presos, que não ofereciam perigo às tropas. Muitos se entregaram maltrapilhos e famintos, após meses de fuga na floresta.

Em entrevista a Leonencio Nossa, reproduzida no livro “Mata! O major Curió e as guerrilhas do Araguaia”, o militar reformado comparou o extermínio de prisioneiros à limpeza de uma lavoura. “Quando se capina, não se corta a erva daninha só pelo caule. É preciso arrancá-la pela raiz para que não brote novamente”, disse.

Bolsonaro sempre exaltou a matança na selva. Na Câmara, ele debochava das famílias dos desaparecidos com o slogan “Quem procura osso é cachorro”. No Planalto, extinguiu o grupo de trabalho que tentava identificar restos mortais dos combatentes.

A recepção a Curió foi uma nova isca para atiçar a militância de extrema direita que apoia o projeto autoritário do capitão. O episódio se soma a outras indignidades bolsonaristas, como as agressões a jornalistas e as ameaças ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal.

Em mais uma falsificação histórica, a Secretaria de Comunicação da Presidência chamou o major de “herói do Brasil”. A Convenção de Genebra trata a execução de prisioneiros como crime de guerra, e nem as leis da ditadura autorizavam o que se fez no Araguaia. O Ministério Público Federal pede a condenação de Curió desde 2012, mas ele continua solto graças a uma interpretação generosa da Lei da Anistia.

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