Se a Nação padece dos severos efeitos da pandemia além do que seria
naturalmente esperado, é porque o governo do presidente Jair Bolsonaro foi
incompetente para lidar com a crise ou pautou suas decisões por critérios
antirrepublicanos. Não há outra conclusão a que se possa chegar após a leitura
de um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a gestão da
emergência sanitária pelo governo federal.
O foco inicial da fiscalização do TCU eram as compras feitas pelo Poder
Executivo durante o estado de calamidade pública. No entanto, “dificuldades e
preocupações” concernentes à gestão da crise como um todo levaram o ministro
Benjamin Zymler, relator do processo na Corte de Contas, a expandir o escopo de
análise com o objetivo de “sugerir” ao Ministério da Saúde (MS) alguns
“apontamentos para correção de rumos”, a começar pela atuação do Comitê de
Operações de Emergência em Saúde Pública (COE). Para o ministro Zymler, uma das
principais unidades da estrutura de governança do MS para o enfrentamento da
pandemia, se não a principal, “parece não estar exercendo o papel de
articulação e coordenação (que lhe cabe) na prática”. O ministro foi elegante
na crítica.
O TCU também destacou o “enfraquecimento da função de comunicação” do
governo com a sociedade pelo fim das coletivas de imprensa diárias, o que
configura uma violação do Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana
pelo Novo Coronavírus. Sem o norte dado pelo poder central, tanto a sociedade
como os governos locais ficam mais suscetíveis à inconsistência de informações
sobre políticas públicas, o que, em se tratando de uma crise de saúde, é muito
grave.
Mais grave, porém, é a falta de critérios técnicos claros para o
repasse dos bilionários recursos da União aos entes federativos, o que sugere
que motivações políticas do presidente Bolsonaro podem ter preponderado na hora
de definir para onde iria o dinheiro. Os casos do Pará e do Rio de Janeiro são
os mais alarmantes.
Os dois Estados estão entre os três com a maior taxa de mortalidade por
covid-19 do País (31,4 e 28,1 mortos por 10 mil habitantes, respectivamente),
mas estão entre os três que menos receberam recursos da União para enfrentar a
pandemia. O que explica uma aberração dessas? As desavenças de Jair Bolsonaro
com os governadores Helder Barbalho (MDB) e Wilson Witzel (PSC)? Será este o
espírito que anima o presidente da República? É conhecido seu desdém pela
gravidade da pandemia e sua diferença de visão, por assim dizer, em relação às
ações de muitos governadores. Daí a ignorar a mortandade nos dois Estados e
deixá-los com magros recursos vai uma enorme distância.
Até o dia 25 de junho, menos de um terço dos R$ 39 bilhões que foram
alocados ao MS para enfrentamento da pandemia – ou seja, R$ 11,4 bilhões –
tinha sido utilizado pelo governo. Números que traduzem um inaceitável descaso.
A má gestão pode ser mais perniciosa do que a escassez de recursos
públicos. A boa administração de parcos recursos é capaz de produzir melhores
resultados do que a incúria em cenário de abundância. Em situações de crise,
como agora, o quadro é particularmente mais grave. No curso de uma emergência
sanitária, malversação ou demora na alocação desses recursos em ações de
socorro à população podem significar vida ou morte para milhões de pessoas.
Diante disso, não surpreende que cada vez menos gente se mostre escandalizada
pelo uso da palavra “genocídio” pelo ministro Gilmar Mendes, do STF.
Desafortunadamente, o País é presidido por alguém inepto como Jair Bolsonaro no momento em que enfrenta a mais mortal crise sanitária em mais de um século. Uma tragédia dentro da tragédia. Nunca se saberá ao certo qual seria a história da pandemia de covid-19 no Brasil caso o presidente fosse outro, alguém minimamente cioso de suas responsabilidades, empático e capaz de inspirar e liderar seus concidadãos nesta hora grave. À Nação só resta refletir, amadurecer e evoluir no processo de escolha de seus líderes. É este o curso natural da democracia.
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