Qual é a melhor receita para uma oposição? A que define
objetivos simultaneamente ao alcance dela e impossíveis de capturar pelo
governismo. Ou, pelo menos, objetivos que se o governismo ou o paragovernismo
quiserem assumir pagarão um preço político alto. E a agenda da oposição precisa
conectar-se também às metas históricas dela.
A oposição de esquerda ao governo Jair Bolsonaro é: 1)
contra a austeridade econômica, 2) a favor de programas de complementação de
renda, 3) contra a agenda dita anti-ambiental, 4) contra o conservadorismo nos
costumes e contra o armamentismo e 5) contra o que considera ameaças
autoritárias vindas do Executivo.
É fácil notar que após um ano e meio de bolsonarismo a maior
parte da agenda da oposição de esquerda ou foi capturada pelo governo ou pelo
paragovernismo. Mesmo que este último ande em luta para dar a Bolsonaro o mesmo
destino de Dilma Rousseff e Fernando Collor. Ou, pelo menos, para construir uma
alternativa competitiva rumo a 2022.
Alguma hora é possível que o discurso da austeridade volte,
mas por enquanto o auxílio emergencial vai vitaminando a simpatia por Bolsonaro
nos bolsões resistentes a ele em 2018. E isso tem poder de convencimento no
Planalto. E a Covid-19 faz a renda básica brilhar em dez entre dez discursos e
artigos de economistas liberais.
No ponto 3, a aversão à política governamental para o
meio-ambiente vai sendo não apenas encampada, mas quase comandada pela grande
finança. A polarização neste quesito deixou de ser entre direita e esquerda,
agora é entre nacionalismo e cosmopolitismo, e este encaixa quase naturalmente
uma esquerda cada vez mais divorciada do anti-imperialismo.
Idem para o quarto ponto, que congrega talvez a frente
antibolsonarista mais ampla, sob clara liderança liberal. Detalhe: aqui o
bolsonarismo beneficia-se da boa (medida nas pesquisas) sustentação social da
agenda conservadora.
Já no ponto 5 o assunto diluiu depois que o presidente da
República conteve o verbo dos apoiadores dele, parou de produzir fatos
conflitivos diários e entrou firme nas negociações com os demais poderes
constituídos. Não se sabe se é estratégico ou apenas tático, mas alcançou-se o
objetivo de dar uma acalmada.
Na maior parte dos anos de resistência ao regime militar
persistiu um consenso vago sobre a redemocratização, mas só a esquerda defendia
a anistia ampla geral e irrestrita e que a nova institucionalidade fosse
construída por uma assembleia nacional constituinte livre, democrática e
soberana. Qual é exatamente a bandeira que hoje só a esquerda defende? O que a
distingue do resto?
No universo dito progressista, o debate predileto do momento
é sobre a frente ampla versus a frente de esquerda. Na real, a dúvida de fundo
é sobre a conveniência ou não de considerar desde agora o apoio a um “centro”
em 2022. Mas a falta de clareza programática faz hoje a esquerda nem ter ideia
do que reivindicar, de diferente, na eventualidade de ter de apoiar outra
alternativa num possível segundo turno contra o bolsonarismo.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB
Comunicação
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Publicado originalmente na revista Veja 2.697, de 29 de julho de 2020
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