A esperança emana dos jovens. Num mundo tumultuado pela
pandemia, pelo desrespeito às minorias e pelo avanço da extrema-direita, são
eles que podem nos salvar do abismo. Caberá a uma nova geração de líderes que
agora ganha apoio institucional e musculatura política pelas redes sociais,
enfrentar a escalada conservadora que se desenvolve no planeta e organizar uma
nova sociedade menos desigual e mais justa. Rebeldes e sensatos, esses líderes
nascentes pensam e agem globalmente, embora não percam de vista as questões
locais e nacionais, e substituíram a impulsividade e o sectarismo que
caracterizavam muitos jovens políticos do passado, por uma visão estratégica,
pluralista e humanista. Há perspectivas se abrindo no meio da escuridão e gente
que usava fraldas ou brincava de pega pega na virada do século, está, hoje, na
vanguarda da transformação, combatendo ideologias obscurantistas e
influenciando, pela internet, milhões de pessoas com ideias progressistas.
Os exemplos começam no Brasil, com nomes como o do youtuber
Felipe Neto, 32 anos, que tem promovido um debate avançado e ações sociais
criativas e transgressoras, ou da deputada Tabata Amaral, 26, que optou por uma
carreira política convencional, mas é uma promessa consistente, e se
multiplicam pelos quatro cantos do mundo. A paquistanesa Malala Yousafzai, 23,
vítima de um atentado terrorista praticado pelo grupo Talibã é uma dessas
personagens decisivas nos tempos atuais. Ganhou o Prêmio Nobel da Paz, em 2014,
por sua luta pelo direito das mulheres à educação. A ambientalista sueca Greta
Thunberg, 17, que fará uma doação de R$ 600 mil para a proteção da Amazônia, é
outra. Há também a americana de origem cubana Emma Gonzáles, 21, expoente do
movimento antiarmamentista nos Estados Unidos, e a britânica Amika George, 21,
ativista pela distribuição gratuita de absorventes íntimos. Outro nome é o da
ugandense Vanessa Nakate, 23, militante pela ação climática na África.
Para o professor de ciência política do Insper Leandro
Consentino, esses novos líderes demonstram entender a política com duas chaves.
A primeira é a rede social, o meio interativo, que envolve uma permanente
prontidão para o debate, e a disposição de aceitar as diferenças. A segunda é a
mensagem: eles têm causas fortes e a capacidade de expô-las, de maneira combativa
e sem divisionismo. “Esses jovens estão conseguindo trabalhar bem tanto o meio
como a mensagem”, diz Consentino. “Há um componente ideológico nas causas que
defendem, mas eles também são pragmáticos para fortalecer suas marcas perante a
juventude”. De um modo geral, esses líderes atuam fora de ambientes políticos
institucionais e conseguem dar voz a grupos que estavam marginalizados e
silenciados. Outras características são a coerência em termos de valores e a
capacidade de transmitir uma verdade por trás do discurso, defendendo causas em
que realmente acreditam. Apesar de coerentes, os jovens ativistas não tem
compromisso com o erro e mudam de ideia quando os fatos apontam para uma nova
direção.
Meio e mensagem
Felipe Neto domina o meio e a mensagem perfeitamente e o
mesmo que se pode se dizer de Malala, Greta ou de Amika. Um dos maiores
youtubers do mundo, com quase 40 milhões de seguidores, Neto vem fazendo um
trabalho persistente de promoção da diversidade e de enfrentamento a grupos
conservadores de direita e às fake news que inundam a rede. Seu salto de
prestígio aconteceu em julho do ano passado, quando decidiu distribuir 14 mil
livros na Bienal do Rio de Janeiro depois que o prefeito Marcelo Crivella censurou
um gibi da Marvel com dois garotos se beijando. “Justiça, inclusão, menos
desigualdade e preocupação com o planeta. Acredito que essas sejam as bandeiras
que eu mais defenda hoje”, disse Neto à IstoÉ.
“É preciso dar mais alcance à voz daqueles que sempre foram
silenciados, principalmente se você estiver numa posição de privilégio, como é
o meu caso”. Neto, que tem enfrentado uma campanha difamatória em que grupos
propagadores de ódio o associam à pedofilia, diz que “luta por um país mais
justo, menos desigual e com mais inclusão”. “Não tenho intenção de fazer isso
através de um cargo político eletivo, mas sei que tenho muito a contribuir como
um ‘outsider’”, completou.
No final de julho, o site do jornal americano The New York
Times publicou um vídeo em sua sessão de opinião em que o youtuber dizia que
Jair Bolsonaro “é o pior político do mundo na gestão da crise causada pela
pandemia”. Ele pediu também aos americanos que não reelejam Donald Trump. A
fala em inglês repercutiu globalmente e mostrou que o alcance político de Neto
vai muito além do Brasil. Para o diretor do The New York Times, Adam Ellick,
que promoveu o vídeo, Neto é um ativista que “fala às novas gerações”. Ellick,
por sinal, dirigiu o filme Malala’s Story e foi o responsável pela revelação da
fabulosa história da garota paquistanesa, a quem conheceu em 2009, quando ela
tinha 11 anos e mantinha um diário anônimo em língua urdu na rádio BBC. No
diário, ela relatava o medo que sentia em estudar em meio ao domínio Talibã e
reivindicava que as meninas do país tivessem mais acesso à educação.
Malala, que acaba de obter seu diploma de filosofia,
política e economia na Universidade de Oxford, tem a legitimidade daqueles que
viveram o sofrimento na pele. Três anos depois da veiculação de seu diário, ela
levou um tiro na cabeça quando saia da escola. Conseguiu sobreviver sem
seqüelas e, em 2014, já refugiada na Inglaterra, seu rosto foi para a capa da
revista Time e ela tornou-se a pessoa mais jovem a ganhar um Prêmio Nobel.
“Esse prêmio não é somente para mim. É para as crianças esquecidas que querem
educação. É para a crianças assustadas que querem paz. É para aquelas crianças
que não têm voz”, afirmou. Desde então, ela comanda a Fundação Malala, que
apóia projetos de inclusão educacional em países em desenvolvimento.
Greta Thunberg é outro furacão juvenil. Em 2018, com apenas
quinze anos, ela começou a faltar na escola para fazer protestos diários contra
o aquecimento global e as mudanças climáticas em frente ao parlamento sueco, e
não demorou muito tempo para que ganhasse espaço em encontros globais sobre o meio
ambiente. Seu discurso direto e incisivo conquistou mentes e corações. “Nossa
casa está em chamas. Estou aqui para dizer a vocês que nosso planeta está em
chamas”, declarou para líderes mundiais, no ano passado, no Fórum de Davos, na
Suíça. Greta acaba de ganhar o Prêmio Gulbenkian para a Humanidade, destinado
para projetos inovadores contra a mudança climática, que lhe rendeu 1 milhão de
euros (R$ 6,11 milhões), dos quais 10% bancarão iniciativas na Amazônia. Em
entrevista à BBC News, na semana passada, ela afirmou, referindo-se aos
protestos após a morte por asfixia de George Floyd, nos Estados Unidos, que “o
mundo superou um ponto de inflexão social” no movimento contra o racismo. “Não
podemos continuar varrendo injustiças para debaixo do tapete”, disse.
Furacão juvenil
As redes sociais são um meio de comunicação fundamental para
esses novos líderes. Todos contam com milhões de seguidores atentos aos debates
que eles propõem. Se Felipe Neto é recordista de audiência no YouTube e tem
12,1 milhão de seguidores do Twitter, Malala fala para uma rede de 1,7 milhão
de pessoas e Greta Thunberg, para 4,1 milhões. A ativista antiarmamentista e
membro da comunidade LGBT, Emma González, por sua vez, tem 1,5 milhão, que
ouvem sua voz contra os neonazistas e os supremacistas brancos. Emma ganhou
destaque depois que a escola onde estudava, a Marjory Stoneman Douglas High
School, na Flórida, foi palco de uma chacina. Um ex-aluno entrou numa sala de
aula armado e matou 17 adolescentes. Alguns dias depois, ela fez um discurso
contra as armas, que se tornou viral. “Ele não teria machucado tantos alunos se
estivesse com uma faca”, disse ela, que lidera o movimento #NeverAgain. “Se
você não fizer nada para evitar que isso continue a acontecer, o número de
vítimas baleadas vai aumentar e o valor delas, diminuir. E seremos todos sem
valor para você”, concluiu, dirigindo-se ao presidente Donald Trump.
Enquanto Emma luta contra as armas, a britânica Amika George
é uma ativista no combate contra a chamada “pobreza menstrual”. Há três anos,
Amika percebeu que muitas garotas na Inglaterra não tinham condições de pagar
por produtos menstruais e organizou um protesto em frente à residência da então
primeira-ministra britânica, Theresa May, para reivindicar a distribuição
gratuita de absorventes. A manifestação reuniu 2 mil pessoas, todas vestidas de
vermelho, e levou à criação da organização #FreePeriods (menstruação grátis).
Diante da pressão, o governo anunciou, em 2019, o financiamento de produtos de
higiene íntima para todas as escolas e faculdades do país. “Para mim,
#FreePeriods mostrou que um único adolescente irritado pode ter um impacto
político real por meio do ativismo”, disse.
Já a ativista ambientalista Vanessa Nakate, que atua em
Kampala, capital de Uganda, chamou atenção quando teve sua imagem sumariamente
cortada em uma fotografia de jovens que protestavam contra a crise do clima
publicada pela agencia de noticias americana Associated Press (AP). A
fotografia, que incluía Greta, mostrava cinco ativistas que pediam ação contra
o aquecimento global durante o último Fórum de Davos. “É a primeira vez na
minha vida que entendo a definição da palavra racismo”, disse Vanessa, que faz
protestos por ação climática em Uganda desde 2019 e foi a primeira jovem a
organizar as chamadas greves pelo clima no país. “Você (AP) não apagou apenas
uma foto. Apagou um continente”, declarou. Como Greta, ela protestou várias
vezes sozinha em frente ao Parlamento de Uganda.
Reação raivosa
Alguns desses novos ativistas conquistam legitimidade a
partir de uma experiência traumática, como são os casos de Malala e de Emma.
Outros chegam lá pela tomada de consciência sobre os problemas sociais e pelo
compromisso com a verdade. Nenhum deles é unanimidade em seus países e todos
sofrem ataques raivosos de opositores. Malala ainda é alvo de discursos de
ódio, principalmente por parte de grupos religiosos islâmicos, por causa de seu
esforço pela emancipação das mulheres. Greta é frequentemente menosprezada por
causa de sua idade. O presidente Jair Bolsonaro chegou a chamá-la de “pirralha”
por causa de suas críticas à destruição da Amazônia. Enfrentar a oposição e
suportar ataques injustificados é o desafio desses jovens que tocam em
problemas sociais profundos. O próprio Felipe Neto enfrenta um momento turbulento
em que militantes bolsonaristas tentam associá-lo com a pedofilia. Neto abriu
pelo menos seis processos contra seus detratores. Além disso, a Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) e outras 36 entidades assinaram um manifesto em
defesa do youtuber.
Mesmo sob ataque, as jovens lideranças seguem em frente para tentar fazer valer suas causas, que apontam para um mundo melhor. Procuram também influenciar as pessoas com uma linguagem acessível e com informações bem embasadas. “O jovem de hoje se preocupa com o amanhã, tem maiores preocupações com o planeta, com a inclusão das minorias e com o futuro. Acima de tudo, ele quer enxergar a verdade, representatividade, e, principalmente, quer que alguém se preocupe em explicar como as coisas são e como funcionam”, diz Neto. “Não só o jovem, mas acredito que o povo, de maneira geral, cansou dos discursos políticos enfadonhos e repetitivos”. Há uma nova geração se apresentando para o debate para combater a injustiça social e a desigualdade. Apesar do avanço conservador de direita, é bom saber que uma resistência firme e progressista se impões. E o que se espera é que esses jovens vençam as suas batalhas.
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