Armou-se em Brasília um cerco à Operação Lava-Jato, cujas
forças-tarefas de Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília estão com os
dias contados. As polêmicas declarações do procurador-geral da República,
Augusto Aras, contra a atuação de seus integrantes foram tão categóricas que
não lhe permitem um recuo sem que se transforme numa espécie de rainha da
Inglaterra no Ministério Público Federal (MPF). Além disso, foram coadjuvadas
pela proposta apresentada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),
ministro Dias Toffoli, de quarentena de oito anos para magistrados e
procuradores ingressarem na política, tema que prontamente o presidente da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se dispôs a pôr em pauta no Parlamento.
À margem da discussão sobre os fundamentos jurídicos e a
legitimidade das ações mais polêmicas da Lava-Jato, é óbvio que o plano de
fundo de toda essa discussão são a liderança e a influência do ex-ministro da
Justiça Sergio Moro junto às forças-tarefas. O ex-juiz de Curitiba se mantém
como potencial candidato a presidente da República, mesmo fora do governo
Bolsonaro. Sua passagem pelo Ministério da Justiça pode ter sido um grande erro
do ponto de vista de sua trajetória como magistrado, se ambicionava uma vaga no
Supremo, mas funcionou como a porta de sua entrada na política, provavelmente
sem volta. A própria crise que o levou a desembarcar do governo Bolsonaro faz
parte do roteiro de quem transita para o mundo da política como ela é. Moro é
candidatíssimo, e a narrativa da Lava-Jato é o leito natural do rio caudaloso
que pode levá-lo à Presidência.
Nesse aspecto, a proposta do ministro Toffoli, que parece
estapafúrdia e foi desdenhada pelo vice-presidente Hamilton Mourão, mira a
candidatura de Moro, sem dúvida. Não no sentido de tornar inelegível o
ex-titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, que condenou o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva no caso do triplex de Guarujá: qualquer nova lei sobre
inelegibilidade para magistrados e procuradores não pode ter efeito retroativo.
Mas existe, sim, um clima no Congresso para aprovação de uma lei que tire das
eleições de 2022 magistrados e procuradores da Lava-Jato que vierem a deixar a
carreira para mergulhar de cabeça na luta política eleitoral.
Assim como o “partido fardado” que emergiu das eleições de
2018 na garupa do presidente Jair Bolsonaro, até agora, nada impede que surja
um partido togado, “lavajatista”, na expressão de Augusto Aras, para disputar
as eleições de 2022. Seria o caminho natural a tomar por parte dos procuradores
da Lava-Jato, se forem desmobilizados e marginalizados pelo procurador-geral da
República. A Lava-Jato, mesmo que venha a ser desmantelada pela
Procuradoria-Geral e o Supremo, continuará sendo um divisor de águas na
política brasileira, pelo menos para as atuais gerações. É muito difícil tomar
a bandeira da ética das mãos de seus protagonistas, procuradores e juízes que
promoveram o maior expurgo de políticos enrolados em escândalos de corrupção da
vida nacional da nossa história.
Colaterais
O presidente Jair Bolsonaro foi eleito num tsunami
eleitoral, na qual a Lava-Jato foi o fator decisivo. Entretanto, o presidente
da República tomou outro rumo na condução de seu governo, desde o rompimento
com Moro. Embora não se tenha registro de nenhum grande escândalo de corrupção
na administração federal, a bandeira da ética se perdeu com o rompimento com
Moro e, sobretudo, por causa do caso Fabrício Queiroz, amigo do presidente da
República e ex-assessor do seu filho mais velho, senador Flávio Bolsonaro
(Progressistas-RJ), investigado no escândalo das rachadinhas da Assembleia
Legislativa fluminense. Consciente da situação, Bolsonaro já opera uma mudança
de eixo eleitoral, agora estribado na força do poder central e nas políticas de
transferência de renda, como ficou evidente, ontem, na viagem ao Piauí, na
companhia do senador Ciro Nogueira (PI), presidente do Progressistas e um dos
caciques do Centrão. Por sinal, um político denunciado pela Lava-Jato.
Um bom termômetro da força de inércia da questão ética na
campanha eleitoral teremos nas eleições de São Paulo, sobretudo na disputa pela
prefeitura da capital. Embora não esteja envolvido em nenhum escândalo, o
prefeito Bruno Covas, que vem liderando as pesquisas, começa a ter que pôr no
seu planejamento para gestão de crises os efeitos da Lava-Jato na disputa da
Prefeitura de São Paulo, em razão das denúncias contra o senador José Serra
(PSDB-SP) e o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), fundadores e principais
líderes da legenda no estado. Alvo de operações recentes, os dois estão sendo
investigados por lavagem de dinheiro e uso de caixa dois eleitoral, o que tem
um efeito deletério para a candidatura à reeleição do prefeito paulistano.
Extrapolando as eleições municipais — o que as urnas podem
confirmar ou não —, é muito provável que o desgaste sofrido pelo PSDB, por
causa desses escândalos, venha a criar dificuldades para o governador de São
Paulo, João Doria (PSDB), viabilizar sua candidatura a presidente da República.
Conspiram contra esse projeto a recuperação de imagem do presidente Bolsonaro e
a resiliência eleitoral do PT, o que pode levar Doria à opção pela reeleição,
ou seja, é melhor um Palácio dos Bandeirantes nas mãos do que os do Planalto e
da Alvorada nos sonhos.
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