Bode na sala ou
salame fatiado, reforma tributária de Guedes cria confusão
Como era previsível, a primeira fatia do salame tributário
oferecida pelo governo federal não caiu bem. Paulo Guedes propôs trocar o
PIS/Cofins por uma Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS). Se fosse
alteração isolada, causaria a confusão habitual de rediscussões de impostos, de
quem paga mais ou menos, motivo que emperra a mudança desse imposto desde 2014.
O plano Guedes causa mais tumulto porque, se a ideia é fazer
reforma “ampla”, não dá para discutir PIS/Cofins sem tratar do peso de outros
impostos sobre as empresas.
Há quem diga que a CBS com alíquota alta é um bode na sala,
a ser trocado por uma CPMF. O bode de Guedes, no entanto, já mastiga o sofá e
faz sujeira sobre o tapete.
Antes de prosseguir, convém lembrar que:
- quem
recolhe o imposto não é quem o paga. Quanto mais um bem ou serviço for de
difícil substituição, mais fácil repassar o aumento de tributação para o
consumidor (pense-se no caso de comida, água, luz). Se existe substituto
ou a opção de não consumir, é possível que a empresa tenha de engolir
parte do aumento do custo ou, caso o repasse, perca mais faturamento;
- não
é possível calcular aumento de carga tributária com base apenas na
alíquota do imposto. Mudanças em tributos mudam comportamentos. Podem
tornar empresas inviáveis, permitir o surgimento de outros negócios e
incentivam as firmas a criar um modo de se livrarem do tributo. Um projeto
tributário não faz sentido sem simular essas transformações.
O PIS/Cofins é um imposto grande, cerca de 18% da receita
federal bruta de 2019. Apenas Imposto de Renda, com 28,4%, e contribuições
previdenciárias em geral, 27%, têm peso maior. O ruinoso ICMS, estadual, porém,
arrecada quase o dobro do PIS/Cofins.
Parece razoável acreditar que a CBS vai aumentar os impostos
de construção civil, escolas, saúde ou teles. Pode ser tolerável, a depender do
que vai ser feito de outros impostos e do ganho geral da (suposta)
simplificação e uniformização tributária. Como não temos ideia do quadro mais
geral, fica difícil discutir alíquotas e a conveniência de redistribuição da
carga. Esse é um resumo do problema que é a reforma Guedes-Bolsonaro, que além
do mais suscita outras ideias de jerico.
Gente do centrão e da oposição de esquerda quer que os
bancos paguem mais CBS. Pode ser que a alíquota deva ser calibrada, mas partir
do princípio de que bancos têm de pagar mais é má ideia. As consequências mais
prováveis desse aumento devem ser o encarecimento dos empréstimos e a diminuição
do acesso ao crédito. Se a questão é a iniquidade, trata-se de tributar os
rendimentos dos acionistas dos bancos e dos detentores de capital em geral, os
mais ricos em particular.
Sim, um objetivo de uma reforma inteligente é uniformizar o
quanto possível o peso dos impostos sobre empresas e finança, de modo a evitar
distorções ineficientes. A decisão de investir aqui ou ali devem ser pautadas
por rentabilidade, não por privilégios fiscais. Um imposto especialmente baixo
pode manter vivos negócios de outro modo inviáveis, o que é um uso ineficiente
de recursos. Tudo isso é muito elementar.
Mas não estamos discutindo nada disso: alíquotas efetivas e seus efeitos econômicos, justiça e eficiência tributárias, o quadro geral dos impostos. É grande risco de a reforma tributária entrar no pântano caótico que é o padrão de governo Jair Bolsonaro. Tudo porque Guedes tem a ideia fixa da CPMF e mexer com estados e cidades.
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