Jair Bolsonaro nada fez de relevante em dois anos como vereador no Rio de Janeiro, nem em 28 como deputado federal do mais baixo clero por várias legendas que nunca nada revelaram sobre seu projeto político. Foi eleito presidente da República em 2018 precisamente pelo que ele não fez: dos 13 candidatos era o único cujo nome não fora citado em nenhuma delação premiada da Operação Lava Jato, que devassou o maior escândalo de corrupção da História do Brasil, dito petrolão. E nada foi revelado contra sua honra no famigerado caso anterior, chamado de mensalão. Seus maiores cabos eleitorais foram os corruptos do Partido dos Trabalhadores (PT) e seus aliados, incluídos os tucanos, que fingiram ser oposição tão completamente que até eles mesmos acreditaram.
Não é possível calcular quanto de sua votação de 57 milhões, 797 mil e 847 votos no segundo turno se deveu à decisão de afastar dos cofres da República Lula, seus asseclas e seus aliados de conveniência. Nem é viável calcular qual teria sido a participação do fervor anticorrupção dos que o sufragaram desde o primeiro turno para impedir que os suspeitos, investigados, acusados e condenados por Polícia Federal (PF), Ministério Público Federal (MPF) e Justiça Federal paralisassem a devassa. Inédita na História, esta levou o maior empreiteiro de obras públicas e o mais popular contratador delas à barra dos tribunais e à cadeia. O próprio vencedor passou o recibo dessas evidências ululantes ao nomear Sergio Moro, o ex-juiz que condenou Lula e Marcelo Odebrecht, para o Ministério da Justiça, e Paulo Guedes, liberal da escola de Chicago e avesso aos economistas socialistas, populistas, cepalinos e keynesianos que mandaram na Fazenda após a queda da ditadura militar.
Não se pode inculpar a maioria do eleitorado brasileiro por ter escolhido o maior estelionatário eleitoral de todos os tempos. De fato, o capitão nunca escondeu de ninguém suas enormes dificuldades de compreender a vã filosofia. Ou a condenação do politicamente correto que inspira sua devoção a garimpo ilegal, desmate e grilagem de terras na Amazônia, seu amor obsessivo por armas de fogo e seu ódio a radares que inibem o excesso de velocidade em estradas. Tais características explicam sua tendência ao charlatanismo, que o faz odiar a ciência, e ao exercício ilegal da medicina, ao patrocinar picaretagens indefensáveis, tais como a “pílula do câncer” e a hidroxicloroquina, às quais atribui a condição de panaceia universal.
Há, contudo, em nosso Estado de Direito um arremedo de freios e contrapesos que dão ao cidadão algum conforto de pensar que os limites institucionais clássicos impediriam um aventureiro como ele de alcançar objetivos muito além do interesse público. Há todo um sistema legal, produzido pelo Legislativo e fiscalizado pelo Judiciário, que, pelo menos em teoria, deveria tê-lo detido na prática de traições tão óbvias como entregar ao PT de Lula postos-chave, como o Ministério da Justiça para André Mendonça e a Procuradoria-Geral da República, de mão beijada, para Augusto Aras. Isso foi possível com a degola de Sergio Moro, que era o garante de que o combate à corrupção seria inevitável.
O cidadão comum, aqui na planície, não tem culpa de ter sido logrado. E o foi porque a obra de demolição que o presidente preguiçoso empreendeu encontrou armas e armeiros para tanto. Bolsonaro na Presidência está sendo muito mais nocivo à Pátria do que o “mau militar” que o ex-presidente Ernesto Geisel definiu com precisão cirúrgica, sobretudo porque encontrou a cama feita e o negócio encaminhado. Essa evidência está encarnada no apoio que tem recebido do dono do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Roberto Jefferson, delator da quadrilha do mensalão. E completa-se na denúncia, feita pelo ex-aliado Major Olímpio, da compra explícita de senadores e deputados com verbas públicas para emendas parlamentares, que parece cair na indiferença generalizada com que tudo vira pizza no Brasil.
O Centrão, que derrubou Dilma Rousseff, do PT, e manteve Michel Temer, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), no poder, ao arrepio de tudo o que de ilícito fora praticado pelos governos daquela aliança inquebrantável, é apenas a denominação conveniente que impede Bolsonaro de deixar o poder para pagar mais pelo que deixa de fazer do que pelo que fez de ominoso, que não foi pouco. A criminosa indiferença ao avanço da pandemia, a transferência da incompetência da intendência militar para a gestão do mais precioso patrimônio coletivo, a saúde de nosso povo, a destruição da instrução pública por um analfabeto funcional conduzido por um vigarista a disparar munição pesada contra a inteligência e a sabedoria nacionais chegaram ao nosso convívio para ficar.
Bolsonaro é negacionista, terraplanista e obscurantista militante e está a serviço de espertalhões como Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, que o mantêm no poder. Não há na elite dirigente desta Pátria condenada ao desterro uma voz da razão que o mande de volta às trevas de onde veio e para onde marchamos.
*Jornalista, poeta e escritor
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