Alguns leitores perceberam que há meses não me refiro ao
ocupante do Planalto como “Presidente Jair Bolsonaro”. Trato-o como Jair
Bolsonaro e dispenso-me do “Sr.” —afinal, ele não se comporta como tal.
Basta-me ser compulsoriamente presidido por ele, o que já é suficiente para
asco, e isso não implica ter votado ou não em seu adversário —porque há 31 anos
não voto em ninguém. A última vez foi no primeiro turno da eleição presidencial
de 1989, e meu candidato não chegou ao segundo turno. Antes que me perguntem,
informo que não foi o Enéas, embora, se eleito, ele não seria tão nefasto
quanto o elemento que hoje dita a destruição do Brasil.
Da mesma forma, ao me referir aos filhos de Bolsonaro, não
me ocorre fazer como alguns colegas e tratar um deles, Carlos, por “Carlucho”.
É um apelido benigno demais para indivíduo tão perigoso —o mais perigoso dos
três que, em nome do pai, controlam o ministério, inspiram a operação das fake
news, conspiram contra as instituições, falam grosso com o Exército e comandam
o país a partir do porão. O nome “Carlucho” sugere algo vindo da infância e é
difícil imaginar os filhos de Bolsonaro tendo infância.
A suposta contaminação de Bolsonaro pela Covid provocou
manifestações de “direito à vida” e “pronto restabelecimento” até por seus
críticos —mesmo que, no passado, ele tenha expelido votos de infarto e câncer
para seus adversários políticos. E que, no próprio dia em que se declarou
infectado, tenha debochado da doença, induzido milhões de pessoas a consumir um
remédio inapropriado e, num ato de estudada crueldade, negado água potável e
proteção às populações indígenas.
Bolsonaro é o primeiro a não querer despertar compaixão.
Para ele, assim como o uso da máscara, isso deve ser “coisa de viado”.
Não será surpresa se, ao se decretar “recuperado”, Bolsonaro zombar dos que lhe
desejaram saúde.
*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
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