Diário da Crise CXVII
Quarta feira, o tempo não abriu. Parece que o resto da
semana nos dará de novo aquele maravilhoso clima de inverno no Rio.
Passei o dia mergulhado no livro The Politics of Denial, de
Michael Milburn e Sheree Conrad. Eles analisam a política norte-americana a
partir do conceito de negação, formulado por Freud em 1923 e apresentado, em
termos políticos, numa carta em 1936.
Essa carta é o foco do meu artigo da semana. Nela Freud: que
conta a história do rei Boabdil que recebeu a notícia de que a cidade de
Alhama, capital de seu reino, iria cair nas mãos do inimigo.
Boabdil não hesitou: queimou a carta e mandou decapitar os
mensageiros.
A perda de sua capital significa a perda de seu poder. A
única maneira de se manter era negar a notícia e recuperar, ainda que seja na
fantasia, a sensação de controle de seu reinado
O coronavírus foi para Bolsonaro também a má notícia que
ameaçava a economia e ameaçava também o seu poder. Ele simplesmente o
transfigurou numa gripezinha.
Freud e sua filha Ana trabalharam muito essa tema da negação
no universo infantil, um mecanismo de defesa do inconsciente diante de algo
desagradável e perigoso.
Hoje também falei longamente com o professor Marco Antônio
Vila para seu canal no You Tube.
Ele leu um trecho do meu livro Democracia Tropical,
exatamente o trecho em que me pergunto onde foi que nosso sistema democrático
degringolou. Falei quase meia hora só sobre isso e não fiquei satisfeito.
No mais, o governo anuncia um plano de regularização
fundiária na Amazônia com monitoramento à distância. Se não fortalece o Incra
vai haver muitos laranjas ocupando terra para os grandes proprietários.
Mourão tem falado muito num programa de combate ao
desmatamento e reaparelhamento da fiscalização.
Enquanto isso desmontam a estrutura do Inpe, segundo
denúncia dos próprios funcionários. É uma estrutura internacionalmente respeitada.
Nosso trabalho é acompanhar o discurso e pedir contato com a
realidade.
Isso é difícil num governo que nega inclusive a pandemia.
Estamos vivendo um momento surrealista: discutindo se será genocídio ou se não
chega a ser um genocídio.
Lembrou-me do primeiro furacão no Brasil, o Catarina. Estava
em Floripa e discutiam se era furacão ou ciclone, sem perceber que a partir de
certa velocidade dos ventos, a única coisa que temos a fazer é organizar a
proteção.
Vivemos num momento decisivo da pandemia, a passagem da
quarentena para a a reabertura econômica.
Era preciso muita coordenação nacional. Não se pode contar
com Bolsonoro nem com o general para isso. Na Alemanha, Angela Merkel coordenou
a transição.
Pelo menos hoje tive uma intuição do que é possível fazer
para abrir Noronha, onde as pessoas estão com muitas dificuldades de
sobrevivência. Zeraram os casos mas precisam de um plano. Pensei na tomada de
temperatura, máscaras, restaurantes ao ar livre e o dr. Gotardo me sugeriu algo
decisivo: exame de Covid para os turistas que visitam a ilha, como está sendo
feito em alguns lugares da Europa.
Foi um dia longo e ainda há futebol para completar. Gosto muito do Flamengo mas detesto o tipo de política que envolve o clube. Apenas sigo o futebol e uso uma raia para nadar. Nada mais.
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