sábado, 11 de julho de 2020

É HORA DE PERDOAR O PT

Ascânio Seleme, O GLOBO

Não há como uma nação se reencontrar se 30% da sua população for sistematicamente rejeitada. Esse é o tamanho do problema que o Brasil precisa enfrentar e superar. Significa a parcela do país que vota e apoia o Partido dos Trabalhadores em qualquer circunstância. Falo dos eleitores, não apenas dos militantes. Me refiro aos que acreditam na política de mudança do partido, não aos seus líderes. Os que acreditam e sustentam o PT são a maioria do terço de eleitores perenes do partido, não os que foram flagrados nos dois grandes escândalos de corrupção que marcaram as gestões petistas.
Esse agrupamento político, talvez o mais forte e sustentável da história partidária brasileira, tem que ser readmitido no debate nacional. Passou da hora de os petistas serem reintegrados. Ninguém tem dúvida de que os malfeitos cometidos já foram amplamente punidos. O partido teve um ex-presidente e seu maior líder preso e uma presidente impedida de continuar governando. Outros líderes históricos também foram presos ou afastados definitivamente da política. Hoje, respeitadas as suas idiossincrasias naturais, homens e mulheres de esquerda devem ser convidados a participar da discussão sobre o futuro do país. Têm muito a oferecer e acrescentar.
A gritaria contra a roubalheira já cansou, não porque se queira permitir roubalheiras, mas porque é oportunista politicamente. Claro que houve desvios de dinheiro público na gestão de Lula e Dilma, as provas são abundantes e as condenações não deixam dúvidas. Mas o PT é maior que isso e, como já foi dito, para ladrões existe a lei. Imaginar que o partido repetirá eternamente os mesmos erros do passado é uma forma simples, fácil e errada de se ver o mundo. Os erros amadurecem as pessoas, as instituições, os partidos políticos. Não é possível se olhar para o PT e ver só corrupção. O petismo não é sinônimo de roubo, como o malufismo.
Superada esta instância, que é mais fácil, terá de se ultrapassar também a índole autoritária que um dia foi semeada no coração do PT e vicejou. Exemplos são muitos, como a tentativa de censurar a imprensa através de um certo “controle externo da mídia”, de substituir a Justiça por “instrumentos de mediação” em casos de agressão aos direitos humanos, ou de trocar a gestão administrativa por “conselhos populares”. Se estas tentações foram barradas no passado, quando até o centrão apoiava o PT, certamente não prosperarão num ambiente muito mais polarizado como o de hoje.
O fato é que o ódio dirigido ao PT não faz mais sentido e precisa ser reconsiderado se o país quiser mesmo seguir o seu destino de nação soberana, democrática e tolerante. Não pode se esperar essa boa vontade dos que carregam faixas pedindo intervenção militar e fechamento do Supremo e do Congresso, um grupelho ideológico, burro e pequeno que faz parte da base do presidente Jair Bolsonaro. Mas é bastante razoável ter esta expectativa em relação a todos os outros, sejam eles de direita, de centro-direita ou de centro.
Não se pode negar que parte considerável do Brasil é de esquerda. Como tampouco há como se ignorar a força da direita nacional. Ambos os campos existem e precisam ser representados politicamente. O Brasil não tem tempo para esperar por uma outra esquerda, renovada e livre da influência do PT. O país precisa se reencontrar logo para construir uma alternativa ao bolsonarismo, este sim um problema grave que deve ser enfrentado por todos. Perdoar o PT não significa abrir mão de convicções. Ao contrário, significa pavimentar caminhos pelos quais pode se chegar ao objetivo comum de paz e prosperidade.
Outras fake newsDois exemplos de fake news que mudaram a História do país e devem ser consideradas como alertas para os perigos que significam. 1) O golpe de 1937, que fechou o Congresso, redigiu nova Constituição, suspendeu a eleição presidencial do ano seguinte e manteve Getulio Vargas no poder por mais oito anos, foi construído sobre notícia falsa. Foi o fictício Plano Cohen, uma mirabolante invenção dos getulistas que descrevia uma iminente tomada de poder pelos comunistas. Foi decretado o estado de guerra contra a falsa insurreição e com ele deu-se o golpe. 2) A segunda fake news que mudou o andamento da política no Brasil foi a dos “marmiteiros”. O candidato favorito da eleição presidencial de 1945, Eduardo Gomes, fez um discurso dias antes do pleito atacando “esta malta de desocupados que apoia o ditador (Getulio)”. O getulista Hugo Borghi checou no dicionário o significado da palavra malta, que para o candidato queria significar súcia ou bando, mas também designava operários que percorriam linhas de ferro e levavam sua comida em marmitas. Borghi fez então um artigo no jornal “O Radical” dizendo que Eduardo Gomes ofendera e não precisava dos votos dos marmiteiros, dos trabalhadores, dos pobres. O artigo transformou-se numa campanha em rádios e jornais que apoiavam o candidato de Getulio, general Eurico Dutra, que virou e ganhou a eleição.
Os mentirososTrump já mentiu 20 mil vezes desde que assumiu a presidência dos Estados Unidos. Bolsonaro mente mais de duas vezes por dia e já está chegando na marca de 1,5 mil mentiras desde a posse. Claro que Trump mente mais e é muito mais perigoso para o planeta do que o nosso Pinóquio Tupiniquim. Mas, calma lá, mesmo que os estragos gerados pelas lorotas de Bolsonaro sejam cobrados em reais, eles vão custar caro.
Além do FaceNa França, a caça a conteúdos de ódio extremistas vai além do Facebook e seus filhotes. Na quarta-feira, o YouTube suspendeu a conta de dois ultradireitistas, Dieudonné M’bala e Alain Soral, que usavam o canal para difundir mensagens fascistas, antissemitas e xenófobas. Passa da hora de uma investigação sobre os conteúdos nacionais no YouTube.
Os negacionistas lideramOs negacionistas Donald Trump, Jair Bolsonaro e Boris Johnson ocupam as três primeiras posições em casos de mortes pelo novo coronavírus. Absolutamente não se trata de coincidência. O fato é que, por ora, apenas o britânico chorou e se arrependeu. Mas porque pegou a gripezinha, foi internado, entubado e passou aperto na UTI. Vamos ver como reage Bolsonaro nos próximos dias. Por falar em negacionistas, por onde anda o ex-médico Osmar Terra?
Vai faltar vagaEstá ficando grande demais a lista de candidatos a uma vaga no STF. Bolsonaro tem tanta conta a pagar que os mais chegados vão acabar ficando de fora. De saída, tem o procurador Augusto Aras e o ministro João Otávio de Noronha para atender. O primeiro pelos serviços que ainda vai prestar, o segundo pelo desempenho amigo no STJ desde o começo do governo. Como só vão abrir duas vagas até 2022, se o presidente for agradecido aos blindadores, terá de deixar de fora o queridinho da família Jorge Oliveira, o “terrivelmente evangélico” André Mendonça, e o terrivelmente católico Ives Gandra Martins Filho. Ives Filho está sendo cotado desde que Ives pai defendeu a tese de que Constituição permitiria a intervenção das Forças Armadas para equilibrar os Poderes. É dura a vida.
Autêntico CovasO falecido Mario Covas, ex-prefeito, ex-governador e ex-senador de São Paulo, era daqueles políticos que gostam de ir às ruas, falar com os cidadãos, tocar nas pessoas. Outra característica sua era a ranzinzice. Certo dia, entra ao seu gabinete no Palácio dos Bandeirantes o secretário de Comunicação, Oswaldo Martins, e avisa: “Governador, trago uma boa notícia”. Covas olha para o assessor e manda ele embora: “Hoje, não. Hoje, eu quero ficar puto o dia inteiro”.
Semana curtaO sonho francês de semana de apenas quatro dias de trabalho já está em vigor, mas muito longe de Paris e em apenas uma empresa. Trata-se da Killer Visual Strategies, uma firma de design de Seattle, que descobriu em pesquisas internas que seus empregados produzem nas sextas-feiras a metade do que conseguem entregar nas segundas. Tem outras empresas pensando que esta pode ser uma solução pós pandemia, cortando um dia de trabalho e reduzindo os salários proporcionalmente, mais ou menos como já funciona no Brasil por força dos arranjos legais tomados durante a crise. A Killer Visual, que aposta na satisfação pessoal como forma de engajamento no trabalho, paga salários integrais.
FlaTV
Estava certa a repórter Luana Trindade da FlaTV quando mencionou o nome de João de Deus na transmissão de Flamengo e Boavista, na semana passada. Errado estava este colunista por esquecer que Jorge Jesus tem um auxiliar técnico com o mesmo nome do charlatão de Abadiânia.
Tirando ondaRecebi mensagens questionando o uso da palavra surfista por jornalistas quando querem designar um político que aproveitou uma onda momentânea para obter alguma vantagem. Dizem que surfistas fazem parte da população que não se identifica com esse tipo de político, e que o surfe é um esporte que requer uma vida saudável de aplicação e dedicação. E que ninguém pega onda por acaso. Feito o registro.
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