Na política o impacto foi devastador. Muito da crise da
democracia representativa clássica se explica pela expansão da Internet e das
redes sociais, que limitou o papel intermediador dos partidos políticos,
sindicatos e instituições, ao propiciar a comunicação direta e horizontal entre
os cidadãos e dar vazão a multiplicidade de interesses presentes na sociedade.
A combinação do potencial participativo das redes com as estruturas
tradicionais de poder é uma obra em construção, já que as redes sociais podem
até derrubar ou eleger governos, mas não são aptas a governar.
O problema é que qualquer inovação pode servir ao bem ou ao
mal. Esta semana o Facebook, pressionado por mais de 900 anunciantes que
suspenderam suas publicidades, desencadeou uma operação de combate às fakenews
e à promoção do ódio em doze países, inclusive no Brasil. Aqui, foram removidos
88 contas, páginas e grupos ligados à base de apoio bolsonarista e ao já
tristemente famoso “Gabinete do Ódio”, com dois milhões de seguidores Também
foram suspensas 10 contas de WhatsApp ligadas ao PT por disparo maciço de
mensagens.
Hoje, tornou-se vital debater como conciliar a liberdade de
expressão e proteção à privacidade com o combate à desinformação deliberada
através das fakenews e o uso das redes para manipular a opinião pública por
instrumentos ilegítimos. Não é trivial construir boas políticas públicas em
relação ao tema.
Foi isso que levou o Senado Federal brasileiro, em
deliberação relâmpago, a aprovar a Projeto de Lei 2630/2020, apelidada de “Lei
das Fakenews”. O projeto começa agora a ser debatido na Câmara dos Deputados e
a polêmica já se instalou em alta temperatura.
Em sã consciência, nenhuma pessoa de bom senso pode ser
contra a exclusão de robôs, perfis falsos ou que as empresas identifiquem na
mensagem quem está patrocinando o impulsionamento de um determinado conteúdo e
emitam relatório trimestral sobre posts censurados e contas canceladas. Ou
contra a existência de um conselho nacional para acompanhar a transparência nas
redes e as condutas inadequadas.
A polêmica reside na tipificação penal de condutas
criminosas na Internet, hoje já cobertas parcialmente pelos crimes de calúnia,
difamação e dano moral; na previsão da rastreabilidade em plataformas como
WhastApp e Telegram, o que poderia ferir o princípio do direito à privacidade;
e na definição do que é ou não fakenews em confronto com o estímulo à
autocensura ou a restrição à liberdade de expressão. Há consenso que propagação
do terrorismo, exaltação à pedofilia, desinformação grave sobre saúde pública,
entre outros, devem ser expelidos sumariamente. Mas a partir daí há muitas
controvérsias.
A discussão é tão complexa e delicada, que
contraditoriamente setores que reivindicam a volta do AI-5 e da ditadura se
levantaram contra o “PL das Fakenews” em defesa da liberdade de expressão, lado
a lado, por razões opostas, a ONGs e pensadores progressistas.
A Câmara dos Deputados certamente saberá democraticamente construir um texto que combine o rigoroso combate aos abusos cometidos na Internet com a defesa dos princípios fundamentais da liberdade de expressão e do direito à privacidade.
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