A Lei
de Segurança Nacional (7.170/83), sancionada pelo presidente
Figueiredo, faz parte da abertura política lenta e gradual. Substituiu a de
Geisel (lei nº 6.620/78), muito mais severa, que substituiu a da Junta Militar
(decreto-lei nº 898/69), com pena de morte e prisão perpétua.
A LSN é incompatível com o regime democrático desenhado
pela Constituição
de 88, mas está em vigor: um excremento jurídico do regime militar que o
país deixou intacto.
Uma das heresias do texto é a tutela da honra do presidente
da República e dos presidentes do Senado, da Câmara e do STF. Calúnia
ou difamação de chefes de Poder não afetam a integridade das instituições.
Os crimes contra a honra estão definidos no Código Penal,
que tem previsão expressa de aumento de pena quando praticados contra o
presidente da República ou contra funcionário público. O presidente tem, ainda,
uma vantagem processual absurda: contra ele não há "prova da
verdade".
Collor processou Otavio
Frias Filho e jornalistas da Folha com base na Lei de
Imprensa (declarada depois inconstitucional): diferentemente de Bolsonaro, não
se lambuzou com a LSN.
A proteção legislativa da "Segurança Nacional"
--pela ameaça de "ideologias exóticas", luta de classes e subversão
da ordem política e social-- teve início com a lei nº 38/35, editada por
Getúlio, com o apelido de "Lei Monstro". Lira Neto, na biografia de
Vargas, registra o lamento de um jornal esquerdista: "não teremos mais
sequer o direito de pensar em voz alta".
Mas a lei nº 38/35 não se preocupava, especificamente, com a
honra do presidente, ainda que se preocupasse com fake news, punindo quem
divulgasse, por escrito, ou em público, "notícias falsas sabendo ou
devendo saber que o são, e que possam gerar na população desassossego ou
temor".
A ditadura
de Vargas outorgaria ainda o draconiano decreto-lei nº 431/38, com
previsão de fuzilamento para o atentado contra a vida, a incolumidade ou a
liberdade do presidente. Mas a sua honra não mereceu atenção especial: o texto
só punia quem, por meio de palavras, inscrições ou gravuras, injuriasse
"os poderes públicos, ou os agentes que os exercem".
Existiu uma LSN editada no intervalo democrático. A lei nº
1.802/53, também sancionada por Getúlio (agora presidente eleito), combatia
subversão e ódio de classe, punia atentados contra a vida, a incolumidade e a
liberdade do presidente da República e de outras autoridades, mas não amparava
a honra presidencial.
Pelo contrário, situou a figura do presidente da República
em seu devido lugar: como agente de crime contra o Estado, com pena agravada,
se tentasse mudar a Constituição "por meios violentos".
É com o golpe de 1964 que a
reputação do presidente adquire valor de "Segurança Nacional". É uma
repetição extemporânea, em linguagem de quartel, da declaração absolutista
atribuída a Luís 14: O Estado sou eu (L'État, c'est moi).
Na LSN de Castello Branco (Decreto-Lei nº 314/67), a pena
era de reclusão de um a três anos. Na LSN da Junta Militar, era de dois a seis
anos. Na LSN de Geisel, de 2 a 5 anos "“desde que a ofensa fosse motivada
por inconformismo político. Na LSN de Figueiredo, a pena é de 1 a 4 anos de
prisão.
Mal passageiro, Bolsonaro
só é presidente da República. Não é a Constituição nem o Estado.
Crime de lesa-pátria seria transformar um político indigno,
vulgar, desumano e obscurantista em símbolo do Estado brasileiro.
Luís Francisco Carvalho Filho
Advogado criminal, presidiu a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (2001-2004).
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