Enquanto Salles e Araújo estiverem no Governo, imagem
do Brasil no Ocidente seguirá negativa
Há semanas, alguns generais e integrantes da ala liberal do
Governo, apoiados por numerosos empresários brasileiros preocupados com a imagem do Brasil no exterior, estão
sugerindo a Jair Bolsonaro que demita o chanceler Ernesto Araújo e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Mesmo para os padrões bastante baixos do
Governo, os dois ministros se destacam e tornam praticamente impossível defender o Brasil lá fora.
Até observadores simpáticos ao presidente hoje admitem que o
radicalismo de Salles e Araújo prejudica a economia brasileira, inspirando
boicotes contra produtos brasileiros no exterior, aumentando o risco de fuga de investidores e tornando
menos provável a ratificação de acordos comerciais. Eles sabem também que
a postura ambientalista dos países europeus representa o
novo normal. Além disso, se o democrata Joe Biden virar presidente, os EUA passarão
a ter uma postura semelhante à europeia em relação ao Brasil. A permanência dos
dois ministros, portanto, só aumentará a pressão que o Brasil já enfrenta no
exterior.
O problema é que Ricardo Salles e Ernesto Araújo representam
duas facções-chave de sustentação do Governo Bolsonaro. No caso de Salles,
facilitar o desmatamento desmontando as estruturas de fiscalização tem sido uma
das promessas da campanha do presidente, e quebrá-la pode fazer com que ele
perca o apoio de uma parte importante do setor ruralista, pouco preocupado com
a imagem do país no exterior. Para eles, Salles não decepciona: segundo o
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), junho foi o 14º mês seguido em que houve aumento no
desmatamento, enquanto o número de multas caiu para menor nível em 24 anos.
O mesmo vale para Araújo: ele representa a faixa lunática, mas bastante barulhenta, da
coalizão que sustenta Bolsonaro. O chanceler virou chacota global desde que assumiu e contribui
ativamente para o crescente isolamento diplomático do país, mas não se
pode negar que entregou o que prometeu: a atuação brasileira enfraqueceu o
multilateralismo, inimigo do olavismo. Demitir Araújo pode fazer com que
bolsonaristas radicais questionem seu compromisso com suas causas: combater o
comunismo, o globalismo e o ambientalismo.
Com Bolsonaro pouco disposto a trocar o comando dos dois
ministérios ou de iniciar uma mudança real da sua política ambiental, o Governo
tem tentado melhorar sua imagem por meio de medidas simbólicas —uma estratégia
identificada lá fora como “window dressing”—. A decisão de decretar “moratória
absoluta” das queimadas na Amazônia por 120 dias, por exemplo, dificilmente
surtirá efeito. De fato, em off, diplomatas e parlamentares
europeus sugerem que gestos pontuais feitos por Hamilton Mourão, presidente do Conselho da Amazônia, para
aplacar as preocupações internacionais, pioraram a reputação do Brasil junto
aos ambientalistas no exterior. Muitos deles se perguntam como o Governo
brasileiro pode levar a sério o combate contra o desmatamento se Ricardo
Salles, gravado dizendo que a desregulamentação ambiental deve acelerar enquanto
o público estiver distraído com a covid-19, ainda for ministro, responsável
pela fiscalização ambiental. Não havia dúvida, segundo um deputado do
parlamento europeu me disse em junho, de que Salles é “a raposa cuidando do
galinheiro”.
Da mesma maneira, o envio do Exército brasileiro para proteger a Amazônia,
iniciativa que gerou visibilidade internacional, não teve efeito tangível. Pelo
contrário: como a ação não reduziu o desmatamento, mas até chegou a complicar o
trabalho dos fiscais ambientais, ela levou os ambientalistas europeus a
acreditarem que Bolsonaro estava tentando enganá-los com um truque barato de
relações públicas.
Nesse contexto, o país que mais ganhará com o crescente
isolamento do Brasil é a China. Com o Brasil cada vez mais rejeitado no
Ocidente, a China já deixou claro, diversas vezes, que em hipótese alguma
permitirá que assuntos ambientais afetem a relação bilateral com o Brasil,
vista como estratégica por Pequim. Apesar da retórica anti-China de Bolsonaro, a péssima imagem do país
na Europa e nos Estados Unidos aumentará, cada vez mais, a dependência
brasileira do gigante asiático. Lá, o tema ambiental também está em ascensão,
mas, por enquanto, é pouco provável que consumidores chineses se mobilizem
contra a política ambiental brasileira.
Bolsonaro sabe muito bem que uma nova estratégia de
comunicação, como a recentemente proposta , não apaziguará os investidores.
Trata-se, na verdade, de um cálculo político. A pressão externa e um possível dano econômico representam
um mal menor se comparados à perda do apoio dos antiglobalistas e dos
ruralistas, considerados cruciais para a sobrevivência do Governo. Além disso,
é preciso lembrar que a crescente rejeição internacional não é,
necessariamente, uma má notícia para Bolsonaro. Sempre em busca de inimigos
internos e externos, o presidente pode facilmente construir uma narrativa
segundo a qual as críticas à sua postura ambiental nada mais seriam do que uma tentativa
de questionar a soberania do Brasil —como já fez no ano passado quando Emmanuel
Macron, em um tom um tanto arrogante, atacou a política ambiental brasileira—. Com a temporada dos incêndios e uma nova onda de críticas
internacionais a caminho, Bolsonaro só abrirá mão de Salles e de Araújo se, por
algum motivo hoje improvável, esse cálculo perder o sentido.
Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo. É o autor de O Mundo Pós-Ocidental (Zahar) e BRICS e o Futuro da Ordem Global (Paz e Terra). Twitter: @oliverstuenkel
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