A tentativa do presidente Jair Bolsonaro de posar como
vitorioso na aprovação do Fundeb me lembrou um velho comercial de cigarros em
que o Gerson, ex-craque da Seleção de 1970, terminava dizendo que o brasileiro
gosta de levar vantagem em tudo. O governo, através de seu ministro da
Economia, Paulo Guedes, e com o apoio de um dos principais líderes do centrão,
deputado Arthur Lira, tentou alterar a emenda, transferindo recursos da
educação básica para o Renda Brasil. O objetivo era financiar com dinheiro do
Fundeb seu programa de clientelismo. Ao ver que não conseguiria aprovar a
manobra, o governo tentou adiar a votação. Perdeu também.
E então, como quem não quer nada, Bolsonaro foi passear nos
jardins do Alvorada e disse aos apoiadores que se aglomeravam ali que conseguiu
uma nova vitória na Câmara. Coisa de louco, ou de esperto. Como as palavras
voam e seus seguidores acreditam em tudo, o presidente mentiu descaradamente.
“Meu governo conseguiu mais uma vitória ontem, aprovamos o Fundeb e o Senado
deve seguir o mesmo caminho”. Neste ponto ele foi interrompido por duas pessoas
que exclamaram um “Graças a Deus!” e um “É isso aí!”. Suspeito que as duas não
sabem sequer o que significa o Fundeb, mas como acreditaram que foi mesmo uma
vitória de Bolsonaro, aplaudiram.
O governo se omitiu na negociação do Fundeb ao longo de toda
a sua tramitação na Câmara. Só meteu o seu bedelho quando ele foi ao plenário
para votação. Aí quis mudar o texto, subtraindo recursos para fazer
assistencialismo com dinheiro dos meninos do ensino público. E se deu mal. Mas
Bolsonaro, um reconhecido esquizofrênico dado a alucinações e delírios, contou
uma outra história para a claque do Alvorada. “Estamos aumentando a
participação do Estado, coisa que o PT podia ter feito lá atrás e não fez.
Aumentamos a contribuição do Estado com votação quase unânime”, disse o chefe
do governo que quis reduzir os repasses.
O Fundeb foi criado em janeiro de 2007, no segundo mandato
de Lula, que mudou e ampliou o Fundef, um fundo de manutenção da educação
básica e do magistério introduzido ainda no governo de Fernando Henrique
Cardoso. O ato da sua criação estabeleceu sua duração, de 14 anos. Era
obrigatório que ele fosse renovado até o final deste ano, já que representa
mais de 40% dos recursos usados pela rede pública. Ao protagonizar a operação
de desmonte do Fundeb na Câmara, o governo ainda tentou adiar a sua
implementação, deixando a questão em aberto. O secretário Wanderly Rodrigues,
da Economia, prometeu que manteria a dotação deste ano em 2021, mesmo sem lei
ou regra formal para o desembolso. Fala sério, Wanderly.
Ao afirmar que a votação foi quase unânime, o presidente
quis mostrar que tem um apoio robusto no Congresso. Outra miragem. O que
ocorreu foi exatamente o contrário. Ao perceber que não teria alternativa e
pressionado pelo centrão que não conseguiu entregar os votos prometidos, o
governo orientou sua bancada a votar a favor do Fundeb. Uma saída política
honrosa. Os seis parlamentares que votaram contra o Fundo são do PSL, todos
bolsonaristas de carteirinha. Então, para consolidar a mentira deslavada,
Bolsonaro partiu para a retaliação. A deputada Bia Kicis, um dos seis votos
contra, foi retirada do cargo de vice-líder. E o PSL ameaça expulsar ela e os
outros cinco.
O caso é estranho, mas como parte dele faz todo sentido. O
presidente, que se elegeu portando a bandeira da anti-política, fez aquilo que
todo político mais cedo ou mais tarde acaba aprendendo. Fez política. E em
política, onde não se consegue vencer (até aqui perdeu quase todas), busca-se o
entendimento. Além disso, Bolsonaro aprendeu que o ideal é recuar quando se
está na iminência de perder feio. Sua inovação foi mentir, tentando reescrever
uma história já contada, construindo uma nova verdade, onde ele sai ganhando,
como recomenda a Lei do Gerson.
Adocicar sempre
Para quem ainda tinha dúvida, a derrota estrondosa na votação do Fundeb
deixou claro que para aprovar projetos de interesse do governo o centrão não
serve. Sua utilidade é outra. O agrupamento fisiológico clientelista é bom para
barrar encrencas para o presidente, como impedir com seus cento e poucos votos
um impeachment, por exemplo. E olhe lá. Para entregar esta única serventia ele
precisa ser muito bem açucarado. Vai recusar cargo para o centrão para você ver
uma coisa. Esta turma já existia e atendia pelo mesmo nome em 1992, quando
abandonou Fernando Collor por falta de mel.
Rodrigo
O presidente da Câmara vai chegando ao fim de seu mandato mostrando uma
eficiência poucas vezes vista nas gestões de seus antecessores. Rodrigo Maia,
que foi o principal responsável pela aprovação da Reforma da Previdência, no
ano passado, fez barba, cabelo e bigode na votação do Fundeb e mostrou
musculatura ao pautar a Reforma Tributária. Peitou e rechaçou todos os
rompantes antidemocráticos perpetrados pelo presidente da República e seus três
zeros. Mas ficou devendo no encaminhamento de pelo menos um dos 48 pedidos de
abertura de processo de impedimento de Bolsonaro em razão dos seus inúmeros
crimes de responsabilidade.
Farra em Brasília
Distanciamento social é bom para os outros. Em Brasília, audiências
públicas, jantares e reuniões de trabalho presenciais viraram parte da
paisagem. Terno e gravata são quase obrigatórios, mas máscaras são usadas
apenas quando as câmeras estão ligadas. O deputado Luís Miranda (DEM-DF) transformou
a sala de estar de sua casa em escritório, onde despacha e faz reuniões. O
detalhe curioso é que, não importa quem seja seu interlocutor, ele sempre os
recebe de bermuda, camiseta e chinelos.
O Brasil de bom exemplo
Esta devo atribuir ao professor e ex-deputado Chico Alencar, que foi
buscá-la no fundo do baú, mas é bastante útil nestes tempos de “filhocracia e
nepotismo”, nas palavras dele. Trata-se do exemplo dado pelo grande escritor
Graciliano Ramos, quando era prefeito de Palmeira dos Índios (AL), entre 1928 e
1930. Ele multou o próprio pai por deixar seus bodes soltos na cidade. Quando o
pai reclamou, Graciliano respondeu assim: “Prefeito não tem pai. Eu posso pagar
sua multa, mas terei que prender seus animais e multá-lo toda vez que o senhor
os deixar na rua”.
Fala sério
A ex-presidente Dilma Rousseff assinou com o chanceler venezuelano Jorge
Arreaza um manifesto pedindo que países ricos e bancos perdoem as dívidas de
países em desenvolvimento em razão da Covid-19. Muito boa iniciativa. Assim, na
Venezuela, por exemplo, os generais corruptos que abiscoitaram o poder com Hugo
Chávez poderão continuar com a mão na botija.
Enquanto isso
No Brasil, os militares instalados no governo são muito diferentes dos
bolivarianos de Chávez e Maduro. Por ora, satisfazem-se com cargos no Executivo
para parentes e amigos. Para sorte deles, são muitas as boquinhas gordas.
Tem coisa errada
Como se não bastassem os problemas que enfrenta em razão da difusão de fake
news em suas plataformas, o Facebook responde a investigações por antitruste em
47 dos 50 estados americanos. No plano federal, o Departamento de Justiça dos
EUA também atua contra a empresa de Mark Zuckerberg. Não dá para atribuir esta
profusão de demandas judiciais ao acaso. Tem coisa aí.
O fim do comércio
Se o comércio presencial já sofria fortemente com a concorrência da gigante
Amazon e de similares de venda online, a coisa desandou de vez com a pandemia
de coronavírus. Na França, a Tati, a maior loja popular do país, que recebia
até o início dos anos 2000 mais visitantes que a Torre Eiffel, fechou as
portas. Nos EUA, empresas como GAP, Banana Republic e Uniqlo estão ainda
tentando decifrar o mundo que vai sair da crise sanitária, mas muitas das suas
franquias em cidades menores no interior do país fecharam na pandemia para não
abrir mais.
Terra plana
Com o número oficial de mortos pelo coronavírus chegando à marca de 100
mil, queria saber o que têm a dizer o Dr. Cloroquina e o ex-médico Osmar Terra.
Dr. Cloroquina foi o primeiro puxa-saco de Bolsonaro a fazer uso do remédio de
malária para tratar da sua Covid. Um tolo. O deputado Terra, que queria ser
ministro da Saúde, disse que coronavírus era menos letal que a H1N1, que matou
2.060 pessoas em 2009. Um bobo.
E agora, Jair?
O seu líder Donald Trump mudou o discurso. Parou de incensar a cloroquina,
passou a usar máscaras e já fala do perigo do coronavírus e da emergência
global que a pandemia representa. No Brasil, Jair Bolsonaro ainda não voltou ao
palanque, derrubado que foi pelo vírus, mas seus assessores garantem que sua
visão sobre a “gripezinha” não mudou.
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