O fato de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ter
defendido a necessidade de ser aprovada uma Proposta de Emenda à Constituição
para organizar a participação de militares no Poder Executivo, em entrevista à
revista Época, demonstra que essa ainda é uma questão não resolvida no nosso
presidencialismo, pois foi exacerbada no governo Bolsonaro, que mais que dobrou
a participação de militares, da ativa e da reserva, em funções gratificadas na
máquina pública.
“Quem quiser vir no futuro para o governo, vai precisar, sem
dúvida nenhuma, caminhar automaticamente para a reserva”, afirmou. A questão é
tão delicada que Rodrigo Maia considera mais prudente, como muitos militares
exercem função de ministro, esperar “para não parecer que é contra o ministro A
ou ministro B, ou assessor A ou assessor B”.
Para o presidente da Câmara, “não é bom para as Forças
Armadas, não é bom para o Brasil” que essa situação persista. Poderíamos
aproveitar a oportunidade e incluir nessa PEC dos militares também a
necessidade de um parlamentar abrir mão de seu mandato se quiser fazer parte de
outro Poder, no caso o Executivo. Da mesma forma que se exige de um membro do
Poder Judiciário, como aconteceu com o então juiz Sérgio Moro, que teve que
abandonar a carreira para ser ministro da Justiça de Bolsonaro.
Como já escrevi aqui, um congressista faz parte de um poder,
o Legislativo, que não tem chefe. Um deputado, um senador, não é subordinado a
nenhum chefe. Não pode ser demitido por chefe nenhum. Muito menos pode ser
subordinado ao simples chefe de outro poder, o Executivo. A independência de
poderes legítima impediria que um deputado ou senador americano seja ministro.
Se quiser ser ministro, tem de renunciar ao seu mandato de legislador e virar
auxiliar do presidente.
Nos EUA, em exemplo recente, a senadora Hillary Clinton teve
de renunciar ao seu mandato para ser Secretária de Estado de Barack Obama.
Norberto Bobbio, um dos maiores filósofos políticos do século XX, escreveu a
“Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos Clássicos”,
onde dá a sua definição sobre política. Para ele, falar em política leva ao
conceito de poder, que é a capacidade de se obter os meios para fazer
prevalecer suas ideias em uma sociedade. Os poderes políticos são legitimados,
dependendo das circunstâncias, pela tradição, pelo despotismo ou pelo consenso,
uma característica da democracia.
Na Grécia Antiga, Aristóteles, em “A Política”, tratava dela
como inerente à atividade humana, pelo interesse pelas coisas das cidades
(pólis). “Fazer política” não é, portanto, apenas uma prática partidária e
eleitoral, mas refere-se às atividades do Estado, e como a sociedade se
relaciona com ele.
Os militares não podem desejar serem vistos como suportes
especiais de um presidente da República, nem devem exercer uma atividade civil
como se fosse uma missão dada por seu Comandante em Chefe. O ministro interino
da Saúde, General da ativa Eduardo Pazuello, já disse que cumpre ordens:
“missão dada é missão cumprida”, repetiu certa vez o mantra militar que exalta
a hierarquia e a obediência.
Na vida civil, esse critério não pode prevalecer, pois a
relação política pressupõe a dialética. Soube-se recentemente que o General
Pazuello não acatou os alertas do comitê de emergência da própria pasta sobre a
necessidade de um distanciamento social firme para evitar mais mortes, e sobre
o perigo da produção de cloroquina em massa, sob o risco de ficar com estoque
parado – o que está acontecendo no momento – simplesmente porque Bolsonaro
ordenou a fabricação, ou não concordava com a diretriz.
O corporativismo é tão grande que o presidente mandou o
Exército fabricar milhões de comprimidos de cloroquina, e o comandante do
Exército, general Edson Pujol, outro dia exaltou o medicamento e o papel do
Laboratório do Exército, que produziu uma quantidade excessiva dele. Este é
mais um problema grave, porque na Saúde a obediência tem que ser à ciência e às
pesquisas.
Mas é impossível termos um médico no ministério porque, se for uma pessoa séria, não vai ficar no cargo. Só serve quem pensa como o presidente e chega-se a essa situação de ele conversar sem máscara com garis e mostrar uma embalagem de cloroquina para as emas do Alvorada.
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