A miséria atingiu o menor patamar das últimas quatro décadas
no momento em que a economia tem o maior derretimento da história. A
necessidade de amparo a milhões de desassistidos pela pandemia é tão imperativa
quanto insustentável é mantê-lo sem atividade econômica. O racha do Centrão é a
disputa pela arbitragem da porta de saída desta distopia.
A saída, por enquanto, dá num beco. A proposta do governo é
de um imposto sobre transações eletrônicas, uma espécie de CPMF com uma base
ampliada pela digitalização da economia durante a pandemia. O Congresso não
quer saber de aumentar imposto, embora seja crescente o interesse em encontrar
uma maneira para perpetuar o auxílio emergencial, a verdadeira poção mágica que
o presidente Jair Bolsonaro tanto procurou na cloroquina.
Vice-líder do governo, Silvio Costa Filho (Republicanos-PE)
encomendou uma pesquisa numa cidade de 20 mil habitantes do agreste
pernambucano, região petista por excelência e governada por uma aliança entre
PSB e PT. Antes do auxílio, Luiz Inácio Lula da Silva registrava lá 75% de
aprovação e Bolsonaro, 82% de rejeição. Hoje a aprovação do ex-presidente caiu
para 44% e a rejeição do atual, para 42%.
O que vale, diz o deputado, é o último favor. Na ausência de
empregos, é neste elixir que o Congresso está agarrado não apenas para
atravessar as eleições municipais, mas para o segundo biênio bolsonarista.
Ainda que esta renda básica com a qual se renomeará este Bolsa Família
encorpado dê sobrevida a Bolsonaro, não há hoje viabilidade para que qualquer
partido se oponha à sua implementação.
É pela “pedalada assistencialista” que a relação entre
Executivo e Congresso pode ser repactuada. Ainda não há uma equação que abrigue
a poção mágica do bolsonarismo nos limites fiscais, mas há alguma boa vontade
no Congresso para encontrá-la, até porque este governo, ao contrário daquele da
outra presidente pedaleira, converge na agenda de manter o Ministério Público e
a Polícia Federal sob rédea curta, além do ex-ministro Sérgio Moro fora do jogo
eleitoral.
Ao liderar o desembarque do DEM e do MDB do Centrão, o
presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aposta na reforma tributária em
tramitação na Casa como uma oficina desta porta de saída. O presidente desta
comissão e autor da proposta de emenda constitucional de reforma tributária que
mais avançou na Casa, deputado Baleia Rossi (MDB-SP), é um dos cotados da
extensa nominata de candidatos à sua sucessão.
O fim do recesso do judiciário inviabilizou a última chance
de qualquer liminar que abrigasse mudança nas regras do jogo na sucessão das
mesas do Congresso para permitir a recondução dos atuais presidentes. Em
plenário cheio, ainda mais numa Corte em transição de comando, a acolhida de um
casuísmo do gênero parece inviável.
Seria o caminho mais curto para transformar o Congresso
Nacional numa Assembleia Legislativa do Amapá ou do Rio de Janeiro.
Desmoralizaria quaisquer esforços de o STF se opor a desatinos presidenciais,
em quarentena por ora, mas suscetíveis a uma reinfestação a qualquer momento.
Somem-se aí os erros cometidos pelo deputado Arthur Lira
(PP-AL) que, subitamente transformado em interlocutor preferencial de Bolsonaro
no Congresso, cresceu os olhos e antecipou sua pré-candidatura à cadeira de
Maia antes de aparar as arestas que cercam seu nome.
A condição de réu no Supremo em ação penal por corrupção
impõe um selo de desqualificação a um parlamentar que pretende ocupar a segunda
vaga na linha sucessória da Presidência da República. Ainda mais porque o
deputado não goza das mesmas prerrogativas que permitiram ao senador Renan
Calheiros (MDB-AL) articular, no Supremo, uma saída que, ao mesmo tempo o
manteve na presidência do Senado, em 2016, e o excluiu da sucessão na
República.
A desconfiança em relação às chances de Lira emplacar o
cargo levaram o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto a lançar pontes com o
DEM, por meio do ex-líder Elmar Nascimento (BA), um dos mais discretos
pré-candidatos. Fez ainda com que o presidente do Republicanos, deputado Marcos
Pereira (SP), outro postulante, tomasse distância. O único imperativo que, de
fato, importa, para os partidos é não ficar de fora da mesa diretora. São esses
cargos que lhes dão condições de operar. Para isso, se compõem com quem for
preciso.
O racha foi a saída para manter o Centrão unido. Sem DEM e
MDB, o bloco não existe. São esses partidos que lhe permitem ter acesso às
antessalas do PIB nacional. Sob Rodrigo Maia, porém, o bloco vai além. Virou um
Congressão. Isso ficou patente não apenas no acachapante quórum de renovação do
Fundeb como também na distribuição de tarefas-chave na Casa.
Ao mesmo tempo em que entregou a uma deputada do PP do
Piauí, Margarete Coelho, a missão de coordenar um texto para modernizar o SUS,
Maia deu asas ao protagonismo do deputado João Campos (PE), filho do
ex-governador Eduardo Campos, e maior aposta do PSB no seu Estado, na discussão
do projeto de renda básica.
Assim como o Centrão abrigou-se no Bolsa Família do lulismo,
a esquerda vai buscar um lugar à sombra na renda básica do bolsonarismo. Seu
avanço no Nordeste não poderia ser melhor exemplificado do que pela recepção
que Bolsonaro terá hoje no sertão da Bahia, maior Estado governado pelo PT no
país. O presidente retomará suas viagens pós-convalescença com a inauguração de
uma adutora em Campo Alegre de Lourdes, município governado por Enilson Macedo,
do PCdoB, partido do governador Flávio Dino, pré-candidato da esquerda em 2022
mais enturmado com o centro.
O desafio de Maia é agregar o apoio que tem em toda a
esquerda, inclusive no PT, ao nome que vier a escolher. Se em sua primeira
disputa pelo cargo, em 2017, o presidente da Câmara só garantiu o apoio do seu
próprio partido, na véspera, e do PSDB, no dia da eleição, não dá para esperar
que, desta vez, a coisa se resolva com brevidade.
A única aposta que dá pra fazer é que o presidente da República terá que repartir sua poção mágica com mais gente. Se vai dar pra todo mundo e vai render até 2022 é outra história.


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