O tombo da economia brasileira neste ano tende a ser menor
que os 8% a 10% que chegaram a ser estimados pelos mais pessimistas, mas o grau
de ociosidade e a inflação baixíssima evidenciam a fraqueza da atividade. Ainda
que os piores cenários para o PIB em 2020 não se concretizem, a perspectiva do
fim do auxílio emergencial e o momento delicado no mercado de trabalho apontam
para o risco de uma situação mais difícil para a economia nos últimos meses do
ano. Nesse quadro, economistas como Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro,
defendem cortes adicionais dos juros, mesmo com a Selic em 2,25% ao ano.
No segundo trimestre, a ociosidade na economia atingiu
níveis recordes, segundo Elisa Andrade, Claudio Considera e Juliana Trece,
pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas
(Ibre/FGV). No período, o hiato do produto, uma medida da capacidade ociosa,
ficou negativo em 14,1%, de longe o pior número da série iniciada no fim de
1982.
Na sexta-feira, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Amplo – 15 (IPCA-15) de julho voltou a surpreender para baixo, como destaca
relatório do departamento econômico do ASA Investments, comandado por Kawall.
Para a equipe do ASA, isso reforça “a leitura bastante benigna da dinâmica de
preços”, em especial dos núcleos, medidas que buscam reduzir ou eliminar a
influência dos itens mais voláteis.
Ao analisar a trajetória da inflação, os economistas do ASA
observam que “o choque causado pela pandemia ainda reverbera sobre a dinâmica
de curto prazo”. Primeiro, teve grande impacto sobre os preços administrados,
principalmente os combustíveis, e sobre os serviços que oscilam mais, como
passagens aéreas. Na direção contrária, as cotações de alimentos ficaram mais
pressionadas, refletindo “a rápida mudança de hábitos de consumo, na esteira
das medidas de restrição à mobilidade como forma de combate ao espalhamento da
doença”. Essa tendência se observou especialmente entre março e maio. Num
segundo momento, houve recomposição de parte dos preços administrados e
resistência dos alimentos.
“Acreditávamos que o maior impacto deflacionário sobre os
núcleos de inflação ficaria restrito aos meses de abril e maio. Contudo, a
queda dos serviços exposta no IPCA-15 indica que a distensão do mercado de
trabalho terá efeito prolongado sobre os preços”, diz o relatório do ASA, que
reduziu a projeção para o IPCA de 2020 de 1,7% para 1,6%, muito abaixo da meta
de 4%. Para 2021, a estimativa é de 2,7%, número bem inferior ao alvo do ano
que vem, de 3,75%.
Para a equipe de Kawall, pode haver surpresas adicionais nas
medidas de núcleo, “com a deterioração do mercado de trabalho afetando outros
setores, levando a assimetria negativa para a nossa projeção de queda esperada
para o PIB em 2020, atualmente em 5,8%, e para a expansão projetada em 2021, de
2,8%”. Ou seja, a economia pode ter um resultado pior do que o esperado.
O comportamento do mercado de trabalho é um sinal negativo
para as perspectivas para a atividade. Com base nos números do período de 28 de
junho a 4 de julho, nota-se uma “aceleração da queda da população ocupada nas
últimas duas semanas, após tendência que parecia sinalizar estabilização”,
dizem os economistas do ASA, referindo-se às informações da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid, do IBGE. “De fato, na última semana de
junho e primeira semana de julho, teria havido uma redução de 2,1 milhões de
pessoas ocupadas, queda bastante relevante frente à dinâmica mais recente”,
aponta o relatório, observando que a relação entre a população ocupada e a
população em idade para trabalhar recuou ainda mais, caindo para 48,1%.
Para completar, há o fim do auxílio emergencial de R$ 600.
Na visão do ASA, existe o risco de um “degrau de renda” ao fim do programa, na
passagem de agosto para setembro. É uma ameaça “bastante relevante para a
dinâmica da atividade à frente, e não há sinal, até o momento, de recomposição
da população ocupada que possa sugerir diminuição desse risco”, segundo os
economistas. Para o ASA, a combinação de um cenário benigno para a inflação e
os riscos para a atividade econômica mais à frente indicam a necessidade de
continuar com o atual ciclo de queda dos juros – a instituição estima que a
taxa Selic atinja 1% ao ano no começo de 2021.
Kawall espera um corte de 0,25 ponto percentual na reunião
de agosto do Comitê de Política Monetária (Copom), seguido por outras quatro
reduções na mesma magnitude. Seguir uma estratégia diferente implicaria
perseguir uma meta de inflação menor, com o risco de desancorar a inflação para
baixo da meta, avalia o ASA.
Um ponto importante é se o financiamento do setor público
impõe limites aos cortes da Selic. Em texto sobre o assunto, Kawall diz não ver
uma ameaça à queda dos juros devido a esse fator. “Com a redução do juro, os
bancos aumentaram sua absorção de títulos [públicos], compensando a migração da
pessoa física em direção ao risco e a menor participação do estrangeiro”,
aponta ele. Kawall observa que a “estratégia do Tesouro tem sido cautelosa, com
uso mais frequente de seu caixa, na expectativa de redução de risco no mercado
(influenciado pelo alto déficit programado para este ano, devido ao combate à
pandemia), com as operações compromissadas [venda de títulos com compromisso de
recompra] financiando, na prática, o gasto mais elevado de 2020”. Segundo ele,
no curto prazo há sinais de aumento da demanda por títulos de renda fixa, um
“potencial porto seguro à poupança precaucional gerada pela crise”.
Kawall reconhece que a situação está “muito longe de ser
confortável” e exige a continuidade do esforço de reformas e o compromisso com
o teto de gastos, mas não vê evidências da existência de um nível mínimo para a
Selic derivado da necessidade de rolagem da dívida interna.
A economia está machucada pelo choque causado pela pandemia, e os efeitos serão sentidos por um bom tempo. Juros bem mais baixos ajudam a estimular a atividade, contribuem para uma dinâmica mais favorável da dívida pública e aliviam a situação financeira de famílias e empresas. Para que as taxas sigam em níveis modestos, será preciso indicar a continuidade do ajuste fiscal, de preferência evitando ao mesmo tempo um cavalo de pau muito forte nas contas públicas em 2021. Não é obviamente uma tarefa fácil, mas é uma combinação que, se alcançada, tornará a saída da crise menos dolorosa.
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