segunda-feira, 27 de julho de 2020

O ESPAÇO PARA A QUEDA DOS JUROS

Sergio Lamucci, Valor Econômico

O tombo da economia brasileira neste ano tende a ser menor que os 8% a 10% que chegaram a ser estimados pelos mais pessimistas, mas o grau de ociosidade e a inflação baixíssima evidenciam a fraqueza da atividade. Ainda que os piores cenários para o PIB em 2020 não se concretizem, a perspectiva do fim do auxílio emergencial e o momento delicado no mercado de trabalho apontam para o risco de uma situação mais difícil para a economia nos últimos meses do ano. Nesse quadro, economistas como Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro, defendem cortes adicionais dos juros, mesmo com a Selic em 2,25% ao ano.

No segundo trimestre, a ociosidade na economia atingiu níveis recordes, segundo Elisa Andrade, Claudio Considera e Juliana Trece, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). No período, o hiato do produto, uma medida da capacidade ociosa, ficou negativo em 14,1%, de longe o pior número da série iniciada no fim de 1982.

Na sexta-feira, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15 (IPCA-15) de julho voltou a surpreender para baixo, como destaca relatório do departamento econômico do ASA Investments, comandado por Kawall. Para a equipe do ASA, isso reforça “a leitura bastante benigna da dinâmica de preços”, em especial dos núcleos, medidas que buscam reduzir ou eliminar a influência dos itens mais voláteis.

Ao analisar a trajetória da inflação, os economistas do ASA observam que “o choque causado pela pandemia ainda reverbera sobre a dinâmica de curto prazo”. Primeiro, teve grande impacto sobre os preços administrados, principalmente os combustíveis, e sobre os serviços que oscilam mais, como passagens aéreas. Na direção contrária, as cotações de alimentos ficaram mais pressionadas, refletindo “a rápida mudança de hábitos de consumo, na esteira das medidas de restrição à mobilidade como forma de combate ao espalhamento da doença”. Essa tendência se observou especialmente entre março e maio. Num segundo momento, houve recomposição de parte dos preços administrados e resistência dos alimentos.

“Acreditávamos que o maior impacto deflacionário sobre os núcleos de inflação ficaria restrito aos meses de abril e maio. Contudo, a queda dos serviços exposta no IPCA-15 indica que a distensão do mercado de trabalho terá efeito prolongado sobre os preços”, diz o relatório do ASA, que reduziu a projeção para o IPCA de 2020 de 1,7% para 1,6%, muito abaixo da meta de 4%. Para 2021, a estimativa é de 2,7%, número bem inferior ao alvo do ano que vem, de 3,75%.

Para a equipe de Kawall, pode haver surpresas adicionais nas medidas de núcleo, “com a deterioração do mercado de trabalho afetando outros setores, levando a assimetria negativa para a nossa projeção de queda esperada para o PIB em 2020, atualmente em 5,8%, e para a expansão projetada em 2021, de 2,8%”. Ou seja, a economia pode ter um resultado pior do que o esperado.

O comportamento do mercado de trabalho é um sinal negativo para as perspectivas para a atividade. Com base nos números do período de 28 de junho a 4 de julho, nota-se uma “aceleração da queda da população ocupada nas últimas duas semanas, após tendência que parecia sinalizar estabilização”, dizem os economistas do ASA, referindo-se às informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid, do IBGE. “De fato, na última semana de junho e primeira semana de julho, teria havido uma redução de 2,1 milhões de pessoas ocupadas, queda bastante relevante frente à dinâmica mais recente”, aponta o relatório, observando que a relação entre a população ocupada e a população em idade para trabalhar recuou ainda mais, caindo para 48,1%.

Para completar, há o fim do auxílio emergencial de R$ 600. Na visão do ASA, existe o risco de um “degrau de renda” ao fim do programa, na passagem de agosto para setembro. É uma ameaça “bastante relevante para a dinâmica da atividade à frente, e não há sinal, até o momento, de recomposição da população ocupada que possa sugerir diminuição desse risco”, segundo os economistas. Para o ASA, a combinação de um cenário benigno para a inflação e os riscos para a atividade econômica mais à frente indicam a necessidade de continuar com o atual ciclo de queda dos juros – a instituição estima que a taxa Selic atinja 1% ao ano no começo de 2021.

Kawall espera um corte de 0,25 ponto percentual na reunião de agosto do Comitê de Política Monetária (Copom), seguido por outras quatro reduções na mesma magnitude. Seguir uma estratégia diferente implicaria perseguir uma meta de inflação menor, com o risco de desancorar a inflação para baixo da meta, avalia o ASA.

Um ponto importante é se o financiamento do setor público impõe limites aos cortes da Selic. Em texto sobre o assunto, Kawall diz não ver uma ameaça à queda dos juros devido a esse fator. “Com a redução do juro, os bancos aumentaram sua absorção de títulos [públicos], compensando a migração da pessoa física em direção ao risco e a menor participação do estrangeiro”, aponta ele. Kawall observa que a “estratégia do Tesouro tem sido cautelosa, com uso mais frequente de seu caixa, na expectativa de redução de risco no mercado (influenciado pelo alto déficit programado para este ano, devido ao combate à pandemia), com as operações compromissadas [venda de títulos com compromisso de recompra] financiando, na prática, o gasto mais elevado de 2020”. Segundo ele, no curto prazo há sinais de aumento da demanda por títulos de renda fixa, um “potencial porto seguro à poupança precaucional gerada pela crise”.

Kawall reconhece que a situação está “muito longe de ser confortável” e exige a continuidade do esforço de reformas e o compromisso com o teto de gastos, mas não vê evidências da existência de um nível mínimo para a Selic derivado da necessidade de rolagem da dívida interna.

A economia está machucada pelo choque causado pela pandemia, e os efeitos serão sentidos por um bom tempo. Juros bem mais baixos ajudam a estimular a atividade, contribuem para uma dinâmica mais favorável da dívida pública e aliviam a situação financeira de famílias e empresas. Para que as taxas sigam em níveis modestos, será preciso indicar a continuidade do ajuste fiscal, de preferência evitando ao mesmo tempo um cavalo de pau muito forte nas contas públicas em 2021. Não é obviamente uma tarefa fácil, mas é uma combinação que, se alcançada, tornará a saída da crise menos dolorosa.

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