quarta-feira, 22 de julho de 2020

O RETORNO À DÉCADA PERDIDA

Cristiano Romero, Valor Econômico

A economia brasileira demorou para livrar-se da inflação alta porque se recusou a mudar o modelo de desenvolvimento que prevalecera nas décadas anteriores. A chamada “crise da dívida”, em 1982, deixou claro que o setor público não teria mais como continuar financiando investimentos, a exemplo do que vinha fazendo desde a década de 1970. A fonte externa de recursos esgotara e a capacidade de endividamento chegara ao limite.

No fim da década de 1970, o país passou a conviver com taxas de inflação muito altas. Inflação crônica, elevada, realidade que os brasileiros com menos de 30 anos desconhece, é uma espécie de nevoeiro forte, que impede empresários e consumidores de enxergar adiante. Isso provoca duas consequências negativas que, combinadas, solapam a atividade econômica ao longo do tempo: por causa da rápida corrosão do seu poder de compra, o consumidor modera as compras e o empresário, por perder a capacidade de planejar o futuro imediato, passa a investir cada vez menos.

Ao seguir convivendo com as fontes inflacionárias criadas pelo modelo de desenvolvimento superado pela crise de 1982, o país experimentou várias tentativas fracassadas de estabilizar os preços. Em 1986, o Plano Cruzado trouxe muita esperança aos brasileiros porque, na largada, derrubou os preços, desinflou as taxas de juros embutidas nos contratos firmados antes do lançamento do plano e deu ganho real de renda aos trabalhadores.

O Cruzado fracassara porque, como a economia era fechada, tornou-se impossível manter baixos os preços dos produtos vendidos no mercado interno. Preços e salários foram congelados justamente para aplicar um forte choque na carestia. A estratégia, usada antes por outras economias, inclusive, a americana (no fim da década de 1960), funcionou no início. Ocorre que o mercado fechado a importações logo enfrentou alguns problemas.

Com o ganho de renda real obtido pela queda abrupta da inflação, os brasileiros passaram a consumir mais imediatamente. Havia demanda reprimida provocada pelo período anterior, de inflação crescente. O problema é que isso começou a provocar desabastecimento em alguns setores, uma vez que não houve tempo nem confiança suficientes para as empresas investirem em aumento da capacidade de produção. Além disso, a existência de uma miríade de restrições a importações impedia a entrada de produtos estrangeiros mais baratos para suprir a demanda aquecida e forçar a queda dos preços dos similares nacionais.

Interessado em vencer as eleições de 1986, o então presidente José Sarney deu as costas para os problema do Cruzado, isto é, não permitiu que a equipe econômica do governo fizesse os devidos ajustes de rota necessários. Sua estratégia eleitoral deu certo – o PMDB, seu partido, elegeu todos os governadores, com exceção ao de Sergipe. Mas, concluído o processo eleitoral, decretou-se o fracasso do plano. O congelamento de preços e salários foi revogado e a inflação logo retomou sua trajetória rumo ao espaço.

Depois do Cruzado, mais três planos econômicos fracassaram na missão de debelar a inflação: Bresser (1987), Verão (1989) e Collor I (1990) e Collor II (1991). O Verão, como já mencionado por esta coluna nesta série sobre a economia brasileira desde 1964, começou a enfrentar algumas das fontes inflacionárias, como o desmonte do Estado paquidérmico, presente em praticamente todos os setores da vida nacional. Naquele período (1985-1990), é de se notar também que foram eliminados o orçamento monetário e a conta-movimento, duas jabuticabas inflacionistas. Além disso, foi criada a Secretaria do Tesouro Nacional.

O Plano Collor, como se sabe, confiscou os ativos financeiros e, por essa via, tentou conter uma das fontes da inflação brasileira à época – o descontrole das contas públicas, uma vez que os títulos da dívida pública, transformados em quase-moeda (ativos que possuem características de ser medida de valor e reserva de valor, mas não são utilizados como intermediário de troca, como a moeda), ajudavam a inflacionar a economia. Também não deu certo, assim como seu sucedâneo, o Collor II, lançado em fevereiro de 1991.

O fracasso sucessivo dos planos econômicos tornou a inflação cada vez mais alta e resistente a choques. Os formuladores do Plano Real, lançado em 1994, foram praticamente os mesmos do Cruzado, com exceção de Gustavo Franco e Winston Fritsch, que não participaram do experimento de 1986. A turma do Real constatou que o Cruzado fracassara porque a economia fechada fora um constrangimento incontornável, inexistente em 1994. Outro fator relevante: a disponibilidade de divisas (reservas cambiais) para ajudar a manter a taxa de câmbio comportada.

Neste momento, o país não sofre mais do mal da inflação, mas sua economia sofre, a exemplo do que ocorreu nos anos 80 do século passado, os males da década perdida (ver gráfico acima). A saga continua.

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