A economia brasileira demorou para livrar-se da inflação
alta porque se recusou a mudar o modelo de desenvolvimento que prevalecera nas
décadas anteriores. A chamada “crise da dívida”, em 1982, deixou claro que o
setor público não teria mais como continuar financiando investimentos, a
exemplo do que vinha fazendo desde a década de 1970. A fonte externa de
recursos esgotara e a capacidade de endividamento chegara ao limite.
No fim da década de 1970, o país passou a conviver com taxas
de inflação muito altas. Inflação crônica, elevada, realidade que os
brasileiros com menos de 30 anos desconhece, é uma espécie de nevoeiro forte,
que impede empresários e consumidores de enxergar adiante. Isso provoca duas consequências
negativas que, combinadas, solapam a atividade econômica ao longo do tempo: por
causa da rápida corrosão do seu poder de compra, o consumidor modera as compras
e o empresário, por perder a capacidade de planejar o futuro imediato, passa a
investir cada vez menos.
Ao seguir convivendo com as fontes inflacionárias criadas
pelo modelo de desenvolvimento superado pela crise de 1982, o país experimentou
várias tentativas fracassadas de estabilizar os preços. Em 1986, o Plano
Cruzado trouxe muita esperança aos brasileiros porque, na largada, derrubou os
preços, desinflou as taxas de juros embutidas nos contratos firmados antes do
lançamento do plano e deu ganho real de renda aos trabalhadores.
O Cruzado fracassara porque, como a economia era fechada,
tornou-se impossível manter baixos os preços dos produtos vendidos no mercado
interno. Preços e salários foram congelados justamente para aplicar um forte
choque na carestia. A estratégia, usada antes por outras economias, inclusive,
a americana (no fim da década de 1960), funcionou no início. Ocorre que o
mercado fechado a importações logo enfrentou alguns problemas.
Com o ganho de renda real obtido pela queda abrupta da
inflação, os brasileiros passaram a consumir mais imediatamente. Havia demanda
reprimida provocada pelo período anterior, de inflação crescente. O problema é
que isso começou a provocar desabastecimento em alguns setores, uma vez que não
houve tempo nem confiança suficientes para as empresas investirem em aumento da
capacidade de produção. Além disso, a existência de uma miríade de restrições a
importações impedia a entrada de produtos estrangeiros mais baratos para suprir
a demanda aquecida e forçar a queda dos preços dos similares nacionais.
Interessado em vencer as eleições de 1986, o então
presidente José Sarney deu as costas para os problema do Cruzado, isto é, não
permitiu que a equipe econômica do governo fizesse os devidos ajustes de rota
necessários. Sua estratégia eleitoral deu certo – o PMDB, seu partido, elegeu
todos os governadores, com exceção ao de Sergipe. Mas, concluído o processo
eleitoral, decretou-se o fracasso do plano. O congelamento de preços e salários
foi revogado e a inflação logo retomou sua trajetória rumo ao espaço.
Depois do Cruzado, mais três planos econômicos fracassaram
na missão de debelar a inflação: Bresser (1987), Verão (1989) e Collor I (1990)
e Collor II (1991). O Verão, como já mencionado por esta coluna nesta série
sobre a economia brasileira desde 1964, começou a enfrentar algumas das fontes
inflacionárias, como o desmonte do Estado paquidérmico, presente em
praticamente todos os setores da vida nacional. Naquele período (1985-1990), é
de se notar também que foram eliminados o orçamento monetário e a
conta-movimento, duas jabuticabas inflacionistas. Além disso, foi criada a
Secretaria do Tesouro Nacional.
O Plano Collor, como se sabe, confiscou os ativos
financeiros e, por essa via, tentou conter uma das fontes da inflação
brasileira à época – o descontrole das contas públicas, uma vez que os títulos
da dívida pública, transformados em quase-moeda (ativos que possuem
características de ser medida de valor e reserva de valor, mas não são
utilizados como intermediário de troca, como a moeda), ajudavam a inflacionar a
economia. Também não deu certo, assim como seu sucedâneo, o Collor II, lançado
em fevereiro de 1991.
O fracasso sucessivo dos planos econômicos tornou a inflação
cada vez mais alta e resistente a choques. Os formuladores do Plano Real,
lançado em 1994, foram praticamente os mesmos do Cruzado, com exceção de
Gustavo Franco e Winston Fritsch, que não participaram do experimento de 1986.
A turma do Real constatou que o Cruzado fracassara porque a economia fechada
fora um constrangimento incontornável, inexistente em 1994. Outro fator
relevante: a disponibilidade de divisas (reservas cambiais) para ajudar a
manter a taxa de câmbio comportada.
Neste momento, o país não sofre mais do mal da inflação, mas sua economia sofre, a exemplo do que ocorreu nos anos 80 do século passado, os males da década perdida (ver gráfico acima). A saga continua.
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