quarta-feira, 22 de julho de 2020

QUEM PAGA A CONTA DA REFORMA TRIBUTÁRIA ?

Vinicius Torres Freire, Folha de S.Paulo

Quem vai pagar a conta da reforma tributária? Não temos nem estimativa, pois não há um projeto coerente e crível, se por mais não fosse porque o governo federal diz que vai enviar suas propostas de modo “fatiado”, ao que parece até o final do ano. Se a reforma andar, será uma mistura de projetos de mudança “ampla” que circulam um na Câmara, outro no Senado, que podem incorporar ou não ideias do Ministério da Economia.

Um objetivo maior de Paulo Guedes é reduzir o quanto puder dos impostos sobre a folha de pagamentos, como se sabe, perda de receita que seria financiada por um imposto qualquer sobre transações ou “pagamentos digitais”, não se sabe bem do que se trata.

Essa CPMF fantasiada, ideia fixa de Guedes, seria a última fatia do salame tributário do governo a ir ao Congresso, até para não atrapalhar a discussão do restante das mudanças, pois esse imposto pega mal.

Hum.

Não é possível fazer uma conta do tamanho da carga tributária, de como os tributos vão pesar sobre cada tipo de empresa ou sobre pessoas físicas e das distorções econômicas decorrentes, sem saber dessa CPMF, com a qual o governo quer arrecadar pelo menos o equivalente a 1% do PIB.

Claro que a conta de uma reforma “ampla” depende de saber do destino de vários outros impostos. O problema específico dessa CPMF ou similar é que a ideia embaralha ainda mais o jogo político e econômico complicadíssimo de qualquer reforma tributária e, logo de cara, prorroga tal confusão até o final do ano ou quando for que o governo mande seu plano.

Logo, ao menos por enquanto, há a possibilidade de que as ideias de Guedes sejam ignoradas ou que causem tumulto no Congresso. Por exemplo, o setor de serviços teme pagar mais impostos com a reforma tributária (vai pagar, se houver qualquer reforma razoável). A fim de evitar essa conta, propõe uma CPMF ou similar de peso muito maior que o sugerido informalmente pelo governo. A indústria é contra.

Há possíveis rolos ainda maiores, como mexer no ICMS e no ISS, de estados e municípios, respectivamente, uma simplificação tributária que, politicamente, demanda que a União pague uma compensação a governos subnacionais. Guedes não quer bulir com isso. No entanto, o ICMS é o imposto mais pernicioso do país.

A julgar pela sua atuação política, Guedes parece mais preocupado em fazer uma reforma trabalhista terminal, uma desregulamentação “ampla” das leis do trabalho e a desoneração geral, se possível (não é), dos impostos sobre a folha. Em cada discussão importante, Guedes embute o tema da desoneração da folha e da reforma trabalhista. Para dar outro exemplo, o plano desse Renda Brasil é acoplado a uma mudança na lei do trabalho.

Pouca gente discorda do plano de simplificar a cobrança e o pagamento de impostos no país. Há muito mais divergência sobre a uniformização do peso dos tributos sobre cada setor empresarial, o que diminuiria distorções no funcionamento do mercado, mas deve aumentar a conta de algumas empresas e diminuir a de outras.

Dá-se de barato que a reforma tributária não vai elevar ou reduzir a carga tributária. Disso não sabemos agora e pelo jeito não vamos saber tão cedo, dada a balbúrdia na definição de um projeto básico. Sem estimativas claras de perdas ou ganhos e sem uma projeção de como fica a carga, será difícil avaliar seus benefícios e será mais fácil para lobbies setoriais defenderem sua posição, seus privilégios, que é um dos motivos da baderna tributária brasileira.

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