“É proibido militar estar na política? Não!” Jair
Bolsonaro tem incontáveis defeitos, mas a dissimulação não é um
deles. Poucos políticos são tão transparentes em suas intenções, seus
propósitos e suas cismas. Não vou falar aqui em ideias, porque é uma categoria
mais difícil de discernir na “obra” do presidente.
Bolsonaro não faz questão de disfarçar que quer pisar no
acelerador do processo de militarização do seu governo. Começou a mover o barco
nessa direção já no ano passado, e enfunou as velas de vez em 2020.
Levantamento do Tribunal de Contas da União apontou o
espantoso contingente de 6.157
militares, da ativa e da reserva, em cargos civis no governo, sendo 2.643 em
cargos comissionados. Trata-se de um aumento de 108,22% de 2016 para
cá.
Diante dessa evidência incontestável não adianta os
militares engrossarem a voz e baterem o coturno no chão quando são chamados a
assumir responsabilidades pelas políticas de Estado determinadas pelo
“capitão”.
A militarização do governo é um movimento combinado com
outros que o bolsonarismo vem empreendendo nos últimos meses, como o aumento da
influência política sobre as polícias militares – a ponto de, hoje, haver em
muitos Estados comando paralelo ao dos governadores.
Também está em linha com a ideia do presidente, gritada em
alto e bom som na dantesca reunião
ministerial de 22 de abril, de “escancarar” a questão do armamento para
a população, afrouxando limites, regras e fiscalização sobre a posse e o porte
de armas e o acesso à munição.
Tudo isso coaduna com a visão de governabilidade na qual
Bolsonaro de fato acredita, que é diversa dessa que ele vem tentando
implementar ao chamar o Centrão para a festa antes restrita aos fardados e aos
ideológicos.
Uma governabilidade em que o presidente é louvado por
adoradores fanatizados pelas redes sociais, promove a guerra cultural
permanente como forma de manter vivo o fantasma do “comunismo” contra o qual
seria o único remédio e que é amparada, na retaguarda, por esse estafe militar
cada vez mais numeroso e incumbido de funções primordiais.
Com um general da ativa à frente da Saúde os militares não
poderão se queixar se forem corresponsabilizados pelas atitudes inconsequentes
do presidente durante a pandemia, do lobby da cloroquina –
transformado por pressão dele em protocolo da pasta! – à incitação ao
descumprimento do isolamento social.
Da mesma maneira, ao colocar o vice-presidente (e
general) Hamilton
Mourão como tutor do ministro Ricardo Salles e
responsável pelo pepino da situação da Amazônia, Bolsonaro joga no colo das
Forças Armadas a cobrança internacional, que se dá por meio de países,
organismos multilaterais e, cada vez mais, empresas e importadores dos produtos
brasileiros, pela absoluta falta de uma política ambiental que atenda aos
princípios mínimos do que a economia global exige.
Atraídos para a ribalta política por alguém que, em
condições normais, seria considerado um pária, dada a sua passagem pífia pelo
Exército, os militares também vão sendo seduzidos por concessões no plano
financeiro, que os transformam numa casta privilegiada entre os já
privilegiados servidores públicos.
Refestelados no poder, abrem mão até da discrição ao colocar
parentes em cargos de confiança, se assemelhando cada vez mais aos políticos,
como mostra o
episódio do cargo dado à filha do ministro Braga Netto numa agência
regulatória transformada em cabide para nepotismo.
Diante de tudo isso, os militares podem reclamar de Gilmar Mendes e de quem for, mas a constatação óbvia é que eles estão mergulhados até o último fio de cabelo no governo Bolsonaro. Serão cobrados pela História nessa condição, e não como “poder moderador” ou outro papel que queiram achar que têm.
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