domingo, 12 de julho de 2020

OS MASCARADOS DO PLANALTO

Míriam Leitão, O GLOBO

Quando Nelson Teich chegou ao Palácio do Planalto, em abril, para receber o convite para o Ministério da Saúde, ostentava máscara no rosto, como manda o protocolo médico. Assim que assumiu o cargo, ele passou a ser visto sem máscara nos eventos palacianos porque esse é o dress code do bolsonarismo. O uso de máscara no governo Bolsonaro é visto como sinal de fraqueza. Por isso eles sempre orgulhosamente mostram-se com o rosto preparado para a infecção do vírus. Os ministros acabaram constrangendo os servidores, e o governo impediu o afastamento de funcionários que tiveram contato direto com o presidente.

As máscaras que os bolsonaristas não usam contra a Covid-19 o bolsonarismo usa para atuar em redes digitais. Escondem-se atrás de perfis falsos para ofender, mentir, caluniar, manipular. O que é mais grave, para conspirar contra a ordem democrática. O importante da derrubada das páginas do Facebook é o que a ação revela. Ou comprova. Dentro do Palácio do Planalto, funcionários pagos com os impostos dos brasileiros estão simulando identidades para atacar pessoas e instituições e postar elogios ao próprio governo. O presidente e seus filhos são parte desse uso miliciano da internet. Eles foram desmascarados. E agora é Jair Bolsonaro quem tem que explicar o que fazem tão perto dele esses assessores e por que não teve qualquer atitude para impedir essa atuação.

O Facebook definiu como “comportamento inautêntico coordenado”. E a atuação desses mascarados do Planalto era intensa. Muitas contas, páginas e perfis no Face e no Instagram. Ao fim, quase dois milhões de seguidores. “Sabemos que elas continuarão tentando ocultar a origem das suas atividades”, disse o Facebook. De fato, eles continuarão tentando usar máscaras digitais para se esconder. E achavam que assim, como o Coringa, teriam suas identidades protegidas. Ganharam a eleição levando ao extremo o ódio digital, governam da mesma forma mobilizando as redes de ódio. Quando falta adversário, atacam os próprios governistas. Os amados de um dia podem ser odiados no dia seguinte, dependendo de para onde vai esse grupo batizado piedosamente de “ala ideológica”.

Não há ideologia nisso, há a prática continuada de crime. Quem movimenta essas redes, atrás de algum disfarce, acaba produzindo quedas de ministros, ou nomeação de ministros. Portanto, atrás das máscaras, os filhos do presidente governam. Foi assim que demitiram o general Santos Cruz, para ficar no exemplo mais evidente. Foi assim que cancelaram o apoiador de primeira hora Gustavo Bebianno. Assessores alocados na presidência da República ou nos gabinetes dos filhos parlamentares atuam com máscaras. Escondem a identidade e agem como milícias digitais. O bolsonarismo governa assim. No domingo passado o que se viu foi Renato Feder, um candidato a ministro da Educação, ser devorado por esses ataques vindos de uma suposta opinião pública. Era a briga intestina do bolsonarismo.

O Facebook, segundo a Bloomberg, está analisando a possibilidade de impedir a propaganda eleitoral nas suas redes sociais nos dias próximos da eleição americana. Exatamente para evitar que as plataformas sejam caminho de manipulação de informação. Isso está sendo estudado porque pode atrapalhar a campanha em favor do voto — que lá é voluntário — ou limitar a capacidade dos candidatos de responder rapidamente a alguma notícia. Seja como for, a gigante da comunicação está tentando encontrar caminhos para evitar o que tem acontecido em vários países.

No Brasil, a particularidade é que um dos mascarados tem o título de “assessor especial da presidência” e mora em apartamento funcional. E todos os outros estão sendo pagos com dinheiro público para, em horário do expediente, exercerem suas atividades ilegais por trás de máscaras digitais.

Jair Bolsonaro tem deliberadamente estimulado um comportamento em relação à pandemia que põe em risco a população. Não usar máscaras é um desses incentivos que ameaçam a saúde pública. Contra a democracia brasileira, ele usa estratégia oposta: a de que seus assessores e apoiadores próximos atuem atrás de máscaras. Ele próprio usa a sua quando diz “sobrou para quem me apoia”. Bolsonaro sabe o que faz atrás da máscara de perseguido pelo Facebook que tenta usar.

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