Alfredo Sirkis era uma espécie rara na política brasileira.
Idealista, devoto da causa ambiental, cultivava um espírito brancaleônico. Em
1998, depois de perder uma eleição para vereador, resolveu concorrer ao
Planalto pelo PV. Teve apenas 0,3% dos votos, mas se divertia ao lembrar as
trapalhadas da campanha.
No Recife, o presidenciável se meteu numa barqueata
ecológica. No meio do trajeto, o motor pifou e o deixou à deriva. Ele resolveu
voltar a nado. Ao chegar à Praia de Boa Viagem, percebeu que os banhistas o
olhavam fixamente. “Estão me reconhecendo”, empolgou-se. Logo caiu na real: uma
placa proibia o mergulho e alertava para a presença de tubarões.
No ano seguinte, Sirkis se envolveu em outra enrascada
marítima. Para defender um transporte menos poluente, organizou uma viagem de
catamarã da Praça XV à Barra. O passeio atraiu artistas, empresários e
socialites. Mas o mar estava agitado, e a maioria dos VIPs passou mal a bordo.
Um mico aquático.
A irreverência sempre marcou a atuação política de Sirkis.
Na primeira campanha, em 1988, ele surgiu no horário eleitoral como se
estivesse no “TV Pirata”. Enterrou-se na areia para denunciar a sujeira na
praia e entrou num bueiro para pedir atenção ao saneamento. O carioca achou
graça, e ele se tornou o vereador mais votado do Rio.
Na Câmara e na prefeitura, onde foi secretário de Cesar
Maia, o ambientalista provou que suas ideias podiam melhorar a cidade. Ele
ajudou a salvar a Prainha da especulação imobiliária, reflorestou encostas e
abriu 160 quilômetros de ciclovias — antes que isso virasse moda em outras
metrópoles brasileiras.
Em 2010, Sirkis coordenou a campanha de Marina Silva e se
elegeu deputado federal. Depois rompeu com o PV, cansou dos marineiros e
desistiu de disputar a reeleição. Numa visita recente ao Congresso, garantiu
que não sentia falta da vida parlamentar. “Ecologia é a minha cachaça”,
explicaria mais tarde a Gilberto Gil, que estava entre os VIPs do passeio
frustrado em alto-mar.
Até o ano passado, ele coordenou o Fórum Brasileiro de
Mudança Climática — cargo não remunerado, ele fazia questão de dizer. Foi
exonerado por Jair Bolsonaro, um presidente que estimula o desmatamento e
queima o filme do Brasil no exterior.
Antes disso tudo, Sirkis pegou em armas contra a ditadura,
escapou do golpe no Chile, foi estivador na Suécia e jornalista na França e em
Portugal. Anistiado, escreveu “Os Carbonários”, best-seller sobre a guerrilha
premiado com o Jabuti em 1981.
Nos últimos dias, o ambientalista estava animado com o
lançamento de seu décimo livro, “Descarbonário”. A obra discute a emergência
climática e afirma que Bolsonaro “desmantelou trinta anos de construção
ambiental da democracia brasileira”. O autor descreve o presidente como “um
governante intolerante, desumano e desprovido de decoro”, que escancarou as
porteiras da Amazônia para grileiros, garimpeiros ilegais e invasores de terras
indígenas.
Prestes a fazer 70 anos, Sirkis se dizia convertido ao “centro radical”, mas não deixava o combate. Sua morte inesperada, em acidente na sexta-feira, cala uma voz importante na defesa de causas que o governo tenta sufocar.
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