Não tentem curar despreparo, ignorância, incompetência ou
irresponsabilidade com cloroquina. Não vai dar certo, como já foi comprovado no
Brasil e nos Estados Unidos. Consumidor, defensor e propagandista desse
medicamento, o presidente Jair Bolsonaro já testou positivo para o novo
coronavírus, mas continuou testando negativo para as funções de governo. No
meio de uma pandemia, o Brasil completou na última sexta-feira quase dois meses
sem titular no Ministério da Saúde. No mesmo dia, um novo ministro da Educação,
o quarto em pouco mais de um ano meio, poderia ser anunciado. Na véspera, numa
de suas lives, o presidente havia tentado mostrar otimismo. “A
economia vai pegar”, disse ele, atribuindo a profecia ao ministro da Economia.
“Se a economia não pegar, fica complicado. Mas acredito no Paulo Guedes”,
acrescentou. Acredita mesmo?
Confiando no ministro, mas nem tanto, na mesma live o
presidente voltou a cobrar a reabertura mais pronta das atividades. “Há sinais
de retomada na economia, mas precisamos de governadores e prefeitos que comecem
a abrir o comércio, caso contrário as consequências vão ser danosas para todo
mundo no Brasil”, disse Bolsonaro. A insistência contrasta com seu
desinteresse, exibido até recentemente, pelos assuntos econômicos. Como explicar
a mudança? Uma súbita iluminação?
Bolsonaro completou seu primeiro ano de mandato com a
economia em pior estado do que em 2018. O produto interno bruto (PIB) cresceu
apenas 1,1% em 2019, menos que em qualquer dos dois anos precedentes.
No começo deste ano o desemprego, superior a 11%, era pouco
menor que o de um ano antes e mais que o dobro da média (5,2%) da OCDE, a
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A indústria, depois de
alguma retomada em 2017 e 2018, emperrou de novo. Entre novembro de 2019 e
março de 2020, a produção industrial de cada mês foi sempre menor que a de um
ano antes.
O presidente nunca se mostrou preocupado com esses números –
até a pandemia bater no Brasil e começar a discussão sobre como enfrentar os
novos problemas. A gravidade da crise sanitária foi reconhecida com algum
atraso pelo Executivo federal, mas em seguida houve ações importantes. A
política de saúde foi reforçada com mais dinheiro. Além disso, medidas
emergenciais foram anunciadas para ajudar empresas pequenas e médias, defender
o emprego e socorrer famílias mais vulneráveis. O governo cuidou de realçar os
próprios feitos, como se resultassem de iniciativas excepcionais. O autoelogio,
porém, foi um tanto exagerado.
As ações anticrise foram positivas, sem dúvida, mas muito
parecidas, em aspectos essenciais, com as implantadas em dezenas de países.
Dados da OCDE divulgados mostram amplo recurso a medidas fiscais e monetárias
de apoio à atividade econômica, ao emprego e às populações mais necessitadas.
Com algumas variações, políticas desse tipo foram lançadas em países tão
diferentes quanto Noruega, Alemanha, Tanzânia, Costa Rica, Estados Unidos,
Indonésia, Argentina, França, Japão, Vietnã, Coreia do Sul, Uganda, República
Dominicana, Colômbia, Peru, Paraguai, Malásia, Austrália, Tunísia, México,
Índia, Israel e Nova Zelândia.
Com ou sem Bolsonaro teria prevalecido orientação
semelhante. Isso em nada reduz o mérito das políticas. Simplesmente as situa
numa perspectiva realista. Mas, ainda assim, suas ações têm algumas
características particulares.
Em primeiro lugar, é evidente o destaque dado por Bolsonaro
a seus objetivos eleitorais. O Brasil teve, nos últimos meses, um presidente em
guerra contra os governadores João Doria, de São Paulo, e Wilson Witzel, do Rio
de Janeiro, tratados como prováveis adversários na eleição presidencial de
2022. A preocupação política explica também, de modo muito claro, o empenho de
Bolsonaro em apressar a reabertura do maior número possível de atividades.
Em segundo lugar, é notória a prevalência dos objetivos
políticos sobre as preocupações com a segurança dos cidadãos. Mesmo depois do
teste positivo, Bolsonaro continuou minimizando o perigo do coronavírus e, mais
que isso, menosprezando o direito à vida. Ele age como se alguns milhares de
mortos a mais fossem um preço razoável para apressar a retomada econômica e
facilitar sua reeleição. Não se distingue, quanto a isso, de seu líder Donald
Trump. Em Tulsa, Oklahoma, mais de 200 casos diários de covid-19 foram
registrados duas semanas depois do famigerado comício do presidente americano.
Eram menos de 100 por dia antes do evento, segundo o governo local.
Qualquer presidente, dirão boas almas, tem o direito de
cuidar de seus objetivos políticos, incluída a reeleição. É verdade. Mas no
começo do segundo ano de mandato? E sem ter governado? Desde janeiro de 2019
Bolsonaro cuidou de assuntos como posse de armas, atrapalhou a discussão dos
grandes temas, como a reforma da Previdência, deu prioridade a interesses
pessoais e familiares. Além disso, tem prestigiado manifestações golpistas. Não
se pode, enfim, acusá-lo de ter governado mal. De governo ele jamais cuidou.
*JORNALISTA
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