sábado, 11 de julho de 2020

QUANDO VAMOS ACORDAR ?

Alon Feuerwerker, Análise Política

O país onde a doutrina liberal deu mais certo quando levada à prática foram os Estados Unidos da América. Do outro lado do mundo, um caso em que os mecanismos de mercado tiveram resultado expressivo é a República Popular da China. Convém olhar o que funcionou nesses dois exemplos, para copiar acertos. De erros, temos portfólio próprio.

Esse é um exemplo de narrativa. Verdade que existem sempre hiatos, gaps, entre narrativas e fatos. De vez em quando, ou quase sempre, narrativas são instrumento útil para simplificar e embelezar uma realidade, com o propósito de construir argumentos para a disputa ideológica. Assim foi e continuará sendo a humanidade. Para todo o sempre.

Mas narrativas são importantes sim. Elas ajudam a forjar coesão social e política, sem o que nenhum agrupamento humano alcança objetivos. Disputas sobre valores e rumos não são jogos retóricos vazios. Constituem armas, especialmente quando as ideias nascidas da reflexão sobre os fatos conseguem elas próprias transformar-se em força material.

Dois pilares são estruturantes na ideia que a sociedade norte-americana faz dela própria: 1) não aceitar passivamente o apetite crescente do Estado por impostos. E 2) dar grande importância ao império da lei, que ali chamam de “rule of law”. E o grande programa social da China, responsável por tirar mais de um bilhão de seres humanos da pobreza, é o emprego.

Emprego criado especialmente na, e pela, iniciativa privada.

Por aqui, talvez nunca as ideias liberais tenham enfrentado tão pouca resistência quando neste Brasil de Jair Bolsonaro. E nunca houve entre nós tanto consenso majoritário de que cabe aos capitalistas ser o motor principal da retomada da prosperidade. Há debates em torno disso, mas nenhuma visão realista consegue apresentar alternativa com o mínimo de viabilidade.

Mas o discurso fica diferente quando se passa à fase de tirar as ideias do papel. Não sei se há algum outro lugar em que economistas liberais estejam propondo aumento de impostos em meio à recessão econômica provocada pela Covid-19. E num aspecto, reconheço, não somos originais: no apoio a episódios de manipulação da Justiça com objetivos político-eleitorais.

Por aqui a “rule of law”, como dizem, ainda está devendo. Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei.

E o emprego, o esquecido? Qual é a iniciativa real para fazer avançar a indústria, única capaz de produzir bons postos de trabalho em quantidade para absorver o estoque excedente de mão de obra, especialmente a mais jovem? O que estamos fazendo para aproveitar, neste ponto, o real desvalorizado e dar um grande salto também na exportação de manufaturados?

Os Estados Unidos chegaram onde chegaram com a “rule of law” e a poupança privada. Há alguma mitologia nisso? Sim, mas a narrativa reflete algo da realidade. A China construiu o maior programa social do mundo, e se apresenta como a nova superpotência do século 21, gerando empregos principalmente pela exportação de bens manufaturados.

E nós, vamos acordar quando?

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Publicado originalmente na revista Veja 2.695, de 15 de julho de 2020

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

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