O país onde a doutrina liberal deu mais certo quando levada
à prática foram os Estados Unidos da América. Do outro lado do mundo, um caso
em que os mecanismos de mercado tiveram resultado expressivo é a República
Popular da China. Convém olhar o que funcionou nesses dois exemplos, para
copiar acertos. De erros, temos portfólio próprio.
Esse é um exemplo de narrativa. Verdade que existem sempre
hiatos, gaps, entre narrativas e fatos. De vez em quando, ou quase sempre,
narrativas são instrumento útil para simplificar e embelezar uma realidade, com
o propósito de construir argumentos para a disputa ideológica. Assim foi e
continuará sendo a humanidade. Para todo o sempre.
Mas narrativas são importantes sim. Elas ajudam a forjar
coesão social e política, sem o que nenhum agrupamento humano alcança
objetivos. Disputas sobre valores e rumos não são jogos retóricos vazios.
Constituem armas, especialmente quando as ideias nascidas da reflexão sobre os
fatos conseguem elas próprias transformar-se em força material.
Dois pilares são estruturantes na ideia que a sociedade
norte-americana faz dela própria: 1) não aceitar passivamente o apetite
crescente do Estado por impostos. E 2) dar grande importância ao império da
lei, que ali chamam de “rule of law”. E o grande programa social da China,
responsável por tirar mais de um bilhão de seres humanos da pobreza, é o
emprego.
Emprego criado especialmente na, e pela, iniciativa privada.
Por aqui, talvez nunca as ideias liberais tenham enfrentado
tão pouca resistência quando neste Brasil de Jair Bolsonaro. E nunca houve
entre nós tanto consenso majoritário de que cabe aos capitalistas ser o motor
principal da retomada da prosperidade. Há debates em torno disso, mas nenhuma
visão realista consegue apresentar alternativa com o mínimo de viabilidade.
Mas o discurso fica diferente quando se passa à fase de
tirar as ideias do papel. Não sei se há algum outro lugar em que economistas
liberais estejam propondo aumento de impostos em meio à recessão econômica
provocada pela Covid-19. E num aspecto, reconheço, não somos originais: no
apoio a episódios de manipulação da Justiça com objetivos político-eleitorais.
Por aqui a “rule of law”, como dizem, ainda está devendo.
Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei.
E o emprego, o esquecido? Qual é a iniciativa real para
fazer avançar a indústria, única capaz de produzir bons postos de trabalho em
quantidade para absorver o estoque excedente de mão de obra, especialmente a
mais jovem? O que estamos fazendo para aproveitar, neste ponto, o real
desvalorizado e dar um grande salto também na exportação de manufaturados?
Os Estados Unidos chegaram onde chegaram com a “rule of law”
e a poupança privada. Há alguma mitologia nisso? Sim, mas a narrativa reflete
algo da realidade. A China construiu o maior programa social do mundo, e se
apresenta como a nova superpotência do século 21, gerando empregos
principalmente pela exportação de bens manufaturados.
E nós, vamos acordar quando?
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Publicado originalmente na revista Veja 2.695, de 15 de
julho de 2020
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
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