O habeas-corpus dado pelo presidente do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) João Otavio Noronha ao Queiroz, amigo dos Bolsonaro, e à sua
mulher, foragida da Justiça, não foi surpresa para ninguém, apesar de ele já
ter recusado nada menos que sete habeas-corpus anteriormente para presos que
argumentavam com o perigo de se contaminarem com a Covid-19, razão alegada para
conceder a graça a Queiroz.
Já era consabido que ele está empenhado em se colocar para o
presidente Bolsonaro como alternativa confiável à vaga no Supremo Tribunal
Federal que se abre em novembro com a aposentadoria compulsória do ministro
Celso de Mello.
Antes, depois que Noronha derrubou uma decisão que obrigava
Bolsonaro a apresentar seus exames médicos, o presidente elogiou Noronha em
discurso, dizendo que tinha sido “um amor à primeira vista”.
As freqüentes decisões a favor do presidente, a dos exames
acabou derrotada no STF, e o habeas-corpus de Queiroz, que causou incômodo
entre seus pares, pode ser derrubada pelo relator Felix Fischer, têm uma razão
de ser. João Otávio Noronha fará 65 anos em agosto do ano que vem, idade máxima
para ser indicado para o Supremo.
Portanto, a próxima vaga é a chance que tem de ser indicado,
pois o ministro Marco Aurélio se aposenta só em agosto de 2021. Já houve um
caso em que o ministro tomou posse dias antes de fazer 65 anos, mas foi preciso
um malabarismo para realizar o sonho.
Carlos Alberto Direito também provinha do STJ e precisou que
o ministro Sepulveda Pertence antecipasse a aposentadoria para que pudesse
tomar posse antes de fazer 65 anos, o que aconteceu a 5 de setembro de 2007,
três dias antes da data fatal.
O caso de João Otavio Noronha é exemplar de como o sistema
de escolha dos ministros do STF pode ser deturpado, assim como o do
Procurador-Geral da República Augusto Aras, outro que disputa uma vaga no STF.
Por isso há diversas propostas de mudanças, desde a fixação de um mandato para
os ministros, até a maneira de escolha.
Há um projeto já em discussão na Comissão de Constituição e
Justiça do Senado que propõe não apenas um mandato de 10 anos como que o
presidente escolha o novo ministro através de uma lista tríplice com nomes
indicados pelo STF, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Procuradoria-Geral da
República.
Embora muitos considerem que é preciso alterar os critérios
da escolha e o período da atuação dos ministros no STF – atualmente há uma
idade limite de 70 anos -, na opinião do advogado e professor Álvaro Palma de
Jorge, co-fundador da FGV Direito-Rio, que acaba de publicar o livro “Supremo
interesse, a evolução do processo de escolha dos ministros do STF”, temos
desenvolvido bem esse processo, que é semelhante ao da Suprema Corte dos
Estados Unidos, com a diferença de que lá o mandato é vitalício.
O autor faz um balanço da evolução do sistema, e adverte que
os Estados Unidos levaram um século para chegar ao sistema de sabatina no
Senado “ao atual estágio de complexidade”. Ele vê uma transformação saudável no
nosso sistema de escolha, com a “paulatina inclusão informal da participação
popular nesse processo”.
Para Álvaro Palma Jorge, o papel do Senado tem se aprimorado
nas sabatinas recentes, justamente porque o Supremo é hoje “protagonista da
vida jurídica, cultural, econômica, política e regulatória nacional”. Além do
mais, o Senado já não desempenha mais sozinho o escrutínio dos indicados ao
Supremo: “Tem junto consigo o cidadão, que pergunta, sugere, critica. Tem junto
a academia, que analisa e oferece sugestões.Tem junto a pressão de entidades de
direitos humanos. Tem defensores e críticos do nome indicado. Tem a imprensa.
Tudo como deve ser”.
Assim como nos Estados Unidos, aqui também as mudanças
eleitorais se traduzem em mudanças de jurisprudência, embora com uma freqüência
às vezes indesejável no nosso caso, pois a rotatividade do nosso sistema é
maior.
Por isso o presidente Bolsonaro quer garantir vagas para ministros conservadores, um pelo menos “terrivelmente evangélico”, na tentativa de alterar decisões da maioria progressista que domina hoje o STF. É impossível, porém, garantir o voto de um ministro que tem garantias de independência, inamovibilidade, irredutibilidade de salários. O próprio mensalão, e depois o petrolão, mostraram, inúmeras vezes, que os ministros e as ministras do STF podem, com suas decisões, surpreender e até desagradar a quem os indicou.
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