Salvo engano, a lei é para todos
Sabe, a Justiça tem lá suas esquisitices. E os juízes, um
elenco sempre renovado de motivos para, com base em leis existentes e
levando-se em conta as circunstâncias, justificarem suas decisões por mais
contraditórias que possam soar aos ouvidos dos cidadãos. Esses, no mais das
vezes, a tudo assistem petrificados.
Antes de conceder habeas corpus a Fabrício Queiroz, parceiro
de Flávio Bolsonaro em desvio de dinheiro público, porque na prisão ele
correria o risco de contrair o coronavírus, o presidente do Superior Tribunal
de Justiça (STJ), João Otávio Noronha, pelo mesmo motivo, negou 7 outros
pedidos de habeas corpus.
Um deles beneficiaria presos do Ceará que estão no grupo de
risco da pandemia. Outro, um homem em São Paulo que teria apontado um canivete
a um funcionário de uma padaria e saído do local com um energético que custava
R$ 5,25. A polícia não encontrou o canivete. O tal homem não tem antecedentes
criminais.
Noronha negou-se também a livrar da cadeia um homem acusado
de roubo, outro acusado de receptação, um suspeito de tráfico de drogas, um
homem acusado de traficar drogas e outro acusado de estupro. Ora, se Estado tem
condições de promover o isolamento de presos do grupo de risco, faltou razão
para libertar Queiroz.
A concessão do benefício a Queiroz se deu por meio de uma
sentença considerada sigilosa, o que é raro. E o mais bizarro: o benefício
alcançou Márcia Aguiar, a mulher de Queiroz, que para escapar da prisão fugiu
com a ajuda de milicianos do Rio. Noronha aguarda que ela apareça para cuidar
do marido.
Um pedido de habeas corpus coletivo foi impetrado, ontem, no
STJ em favor de todas as pessoas que apresentam um risco maior de contrair
coronavírus e estejam em prisão preventiva. É assinado por 14 advogados do
Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos. E diz assim a certa altura:
– Os fundamentos da concessão da ordem [que beneficiou
Queiroz] assentam quase que exclusivamente na questão humanitária: o
pertencimento a grupo de risco na pandemia de covid-19. […] Negar a presos em
idêntica situação a mesma ordem é violar o direito à igualdade.
Como Noronha é o plantonista do STJ porque os demais ministros estão de férias, caberá a ele julgar o pedido. Se preferir, poderá esperar a volta dos seus pares e livrar-se de descascar sozinho o abacaxi. Afinal, sua missão foi cumprida e deixou feliz o presidente Jair Bolsonaro e seus filhos.
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