Para que não restem dúvidas: já se passaram 48 horas que
soou o alarme sobre a calamidade da gestão do governo de Jair Bolsonaro no
combate à letal pandemia e não há notícia sobre correção de rumo. Ao contrário,
a reação de ontem, atribuída ao vice-presidente, ateve-se à questão militar,
presa ao significado literal do termo que sintetizou as consequências do mal,
não ao seu contexto.
O agente ativo do sumiço de chão, céu e mar que instabiliza
os 200 milhões de brasileiros é Jair Bolsonaro. Ele renega dois aspectos
fundamentais deste caso, a palavra da Ciência e a função de liderança que lhe
cabe como presidente da República. Dispensa o uso da cabeça e da caneta. Na sua
torre de comando o imenso vazio dá espaço para pendurar uma rede.
A dimensão da insegurança generalizada, em que os
brasileiros acordam pensando se finalmente o número de mortes baixou e vão
dormir sem vislumbrar o fim da agonia, o jurista Gilmar Mendes (STF) e o
general Eduardo Pazuello (Saúde) são também vítimas. Só que um deles gritou primeiro
e pelo lado correto: Bolsonaro é a caricatura, não tem mais jeito. Já o
Exército, não.
Aliás, o general Luiz Eduardo Ramos representava ainda o
Exército quando foi para a praça dar apoio tácito a extremistas que exigiam o
fechamento do Supremo. Estão quites.
Em lugar de abespinhar-se com a crítica à conivência com o
extermínio que a covid-19 vem operando, as autoridades militares, se não têm
poder para convencer o presidente a fazer o certo, deveriam podar sua ligação
com o errado. Reagindo como reagiram, passaram o recibo da conta que Bolsonaro
lhes quis aplicar. Inclusive escudando-se no princípio de que interino no
comando de uma escrivaninha de gabinete não pode ser acusado de nada. Todo o
governo é sócio da chacota que atinge o Brasil em escala mundial. Os militares
mais ainda porque aparelharam o ministério da vida.
Ao criar uma nebulosa interinidade para o Exército,
Bolsonaro esconde-se, escarnece da população e do emprego adequado da força. O
que diriam os comandantes militares se o Brasil estivesse em guerra e o
presidente da República entregasse o Ministério da Defesa a um padre? Ainda que
declarando-o interino, álibi para que a Igreja pudesse eximir-se de eventual
mau resultado?
A leitura da alma presidencial permite a conclusão de que
Bolsonaro conduz seu governo como um interminável processo de vingança. No caso
do momento, contra os médicos, cientistas e políticos que não transigiram com
prescrições charlatãs.
A demissão de dois ministros que conheciam a natureza do
problema não implicou razão ideológica. Foi vingança da condição de homens da
ciência que o contestavam. Insuspeitos, um é do DEM, outro, seu colaborador do
programa de saúde da plataforma de candidato.
Nem Bolsonaro pode queixar-se de exagero nos ataques
sofridos. Quem já subiu à tribuna da Câmara Federal para pedir o fuzilamento de
um presidente da República, superou o máximo da virulência de um orador
político.
O presidente insiste no seu torcido conceito de autoridade,
como se o mandato presidencial não tivesse limites e o destino da Nação não
fosse partilhado pelos demais poderes. Como se dissesse à sociedade para
engolir o general, os coronéis, os capitães, que não entendem de saúde mas
obedecem cegamente às suas desautorizadas prescrições e, ainda agora, o
protegem da inconsequência assumindo seu lugar no alvo.
Aproveita também para vingar-se do Supremo por tê-lo
afrontado ao reconhecer, a Estados e Municípios, a atribuição de definir
medidas do isolamento social que ele se recusava a fazer.
Neste ritmo, Bolsonaro traveste-se de Pôncio Pilatos e lava as mãos do seu papel de liderar o país diante da pandemia. O episódio é um perigoso desvio de atenção da questão essencial da dor em que se concentra a população neste momento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário