O Estado brasileiro é laico. O que significa: ele não
permite a interferência de correntes religiosas em assuntos estatais, nem
privilegia uma ou algumas religiões sobre as demais. Garante e protege a
liberdade religiosa de cada cidadão, mas evita que grupos religiosos exerçam
interferência em questões políticas.
“Os dogmas de fé não podem determinar o conteúdo dos atos
estatais”, disse o ministro Marco Aurélio Mello em 2012 quando o Supremo
Tribunal Federal, por oito votos contra dois, decidiu que grávidas de fetos sem
cérebro podem interromper a gravidez com assistência médica prestada pelo
Estado.
Em mais duas situações, o aborto é plenamente legal no
Brasil: quando a continuação da gravidez importa em risco à vida da mãe e em
caso de estupro. Foi o que aconteceu com a menina de 10 anos de idade,
estuprada desde os seis anos por um tio no Espírito Santo, levada às pressas
para abortar no Recife.
Em Vitória, um hospital negou-se a respeitar a ordem
judicial de fazer a cirurgia na menina, conforme sua vontade reiteradamente
manifestada em diversas ocasiões. A gravidez decorreu de um crime, tipificado
em lei. Para a menina, suportá-la e dar a luz equivalia a um processo de
tortura. Tortura é outro crime.
O que pretenderam os militantes cristãos, comandados por
políticos da direita e da extrema direita, que na noite do último domingo
cercaram o hospital no Recife onde a menina estava sendo esperada para
submeter-se à cirurgia? Na prática, tornar a Constituição letra morta,
ignorando o que ela prescreve.
Lava Jato ganha sobrevida com decisões de Fux e de Celso
de Mello
Por ora, a sangria continua
Ainda não foi desta vez. Dava-se como certo nos meios
jurídicos de Brasília que o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força
tarefa da Lava Jato em Curitiba, seria condenado pelo Conselho Nacional do
Ministério Público em dois procedimentos disciplinares a que responde por abuso
de poder.
Prestes a assumir por dois anos a presidência do Supremo
Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux, à tarde, suspendeu os efeitos de uma
advertência imposta em novembro a Dallagnol, o que tornava mais distante seu
afastamento da chefia da Lava Jato. À noite, Celso suspendeu o julgamento
marcado para hoje.
Fux fez por merecer a fama que tem de amigo número um da
Lava Jato. Em 2016, logo após a abertura do processo de impeachment contra a
presidente Dilma, depois de uma conversa que teve com Fux, Dallagnol contou a
um grupo de procuradores o que ouvira dele: “Disse para contarmos com ele para
o que precisarmos”.
Ao que o então juiz Sergio Moro, informado sobre a conversa,
comentou por escrito: “Excelente. In Fux we trust” (Em Fux nós confiamos”).
Moro poderia acrescentar que também em Celso ele e a Lava Jato podem confiar
pelo menos até novembro, quando o ministro, ao atingir os 75 anos de idade,
deixará o tribunal.
No seu despacho, Celso afirmou que é “inaceitável a
proibição ao regular exercício do direito à liberdade de expressão” de membros
do Ministério Público e afirma que limitar esse direito “revela-se em colidência
com a atuação independente e autônoma garantida ao Ministério Público pela
Constituição”.
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