A discussão em torno do teto de gastos não nasceu esta
semana e não é um dilema criado pela pandemia. A ideia de que estava tudo indo
bem e que a crise na saúde fez desandar a economia é falsa. Em setembro do ano
passado, o presidente disse que o teto de gastos precisaria ser flexibilizado,
do contrário, em dois ou três anos ele teria que apagar a luz de todos os
quartéis. “É uma questão matemática”, concluiu. Ontem, ele apareceu com
ministros, os presidentes das duas Casas do Congresso e garantiu que vai respeitar
o teto. Até o espelho d’água do Alvorada entendeu que a cena foi montada para
acalmar o ministro da Economia, Paulo Guedes, mas o presidente continua
prisioneiro de sua indecisão.
Na época, em setembro de 2019, o ministro Paulo Guedes
reclamou da declaração do presidente contra o teto, e ele recuou, mudando sua
matemática. Disse que respeitaria o teto. Sua convicção, no entanto, não mudou.
Tanto que nos meses seguintes engavetou a reforma administrativa, defendeu
interesses corporativos, ignorou as propostas de emendas que mandou para o
Congresso, não se mobilizou por projeto fiscal algum. Teve olhos apenas para as
medidas que aumentavam o acesso às armas. Esta semana, mesmo em meio à
pandemia, ele voltou às armas e justificou dizendo que é uma promessa de
campanha.
A agenda da economia também foi promessa. Mas era
artificial. Foi implantada em seu programa ocupando o vazio de ideias. Nesta
crise, todos criam versões distantes da realidade. O ex-secretário Salim Mattar
disse que está saindo porque não se acostumou com a burocracia de Brasília, e
que os sindicatos, os corporativistas, a esquerda impedem a privatização. Tinha
tudo isso no governo Fernando Henrique e ele privatizou. A verdade é que
Mattar, apesar dos autoelogios sobre a sua capacidade administrativa, não foi
um bom gestor. E, além disso, o presidente Jair Bolsonaro vetou a venda de
algumas estatais e não se interessou por outras. No meio tempo, criou uma
estatal.
No mercado, ontem, os ativos mostravam instabilidade. O
Banco Central vendeu logo cedo US$ 500 milhões no mercado futuro para conter a
elevação do dólar. O real já abriu sendo a moeda emergente que mais se
desvalorizava. Os juros futuros — contratos negociados por investidores que
tentam estimar a taxa básica de juros — bateram em 5,75% com vencimento em
janeiro de 2025. Nos últimos três dias, houve aumento de 0,6 ponto percentual
nessa taxa, o que significa que eles estão apostando em aumento na Selic no
médio prazo. O Bradesco enviou relatório para alertar que mesmo com o
cumprimento do teto de gastos a dívida pública permanecerá em 98% do PIB até
2025. Se ele for furado, e isso afetar o crescimento do país, a dívida poderia
chegar a 110% no mesmo período. Houve um momento em que Nathan Blanche, da
Tendências, disse à coluna que teria que haver uma reunião entre Bolsonaro com
os dois presidentes do Congresso para fazer um pacto pela reforma. A reunião
acabou acontecendo no fim da tarde. Quanto durará essa declaração conjunta?
Menos que o tempo de um pregão.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o presidente do
Senado, Davi Alcolumbre, querem que alguma agenda ande no Congresso, mas no
mesmo dia de ontem a mobilização no parlamento era em torno dos vetos do
presidente. Maia falou no Alvorada na aprovação dos “gatilhos” que dariam possibilidade
de gerir o orçamento. Ele se referia aos projetos de corte de certos gastos,
como a suspensão de aumento de salário de funcionalismo, previstos na PEC
emergencial. Havia uma proposta de iniciativa do Legislativo. O ministro da
Economia preferiu ignorá-la e mandar sua própria proposta. Que está parada.
Os ministros gastadores dizem para o presidente que essa é a
única forma de salvar o governo dele e melhorar sua popularidade. Paulo Guedes
avisa que isso levará ao caos, às pedaladas, e que ele terá o mesmo destino da
presidente Dilma. Bolsonaro tem medo de perder Paulo Guedes, mas não acredita
na agenda dele. Gosta do que ouve dos ministros fura-teto, mas não quer ficar
sem sua placa do Posto Ipiranga. Os erros de Guedes o enfraqueceram, a pandemia
fortaleceu o argumento do aumento de gastos. Indeciso, Bolsonaro tem apenas um
alvo: a reeleição em 2022.
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